Atualizado em: janeiro 21, 2025 às 10:13 am

Por Guilherme Costa/ 43duo Recentemente eu estava relendo o livro “Dias de Luta: o rock e o Brasil dos anos 80”, e já para o seu final o autor Ricardo Alexandre cita o sucesso que o Paralamas do Sucesso fez (sobretudo) na Argentina, quando o trio passou a desbravar o nosso continente, impulsionado pela versão de “Track Track” (faixa originalmente composta por Fito Páez) e pela coletânea gravada em espanhol: “Paralamas (1992)”.

Fora o (talvez) exemplo mais famoso, qual outro grupo olhou para o mercado sul-americano com o mesmo olhar para a Europa e Estados Unidos? Recentemente, no 5 Perguntas com os cariocas dos Estranhos Românticos, o baterista Pedro Serra comentou sobre o show que a sua banda fez na Argentina. Mas, e qual outro exemplo vem em sua mente?

A propósito, em relação ao que consumimos como música, o mercado sul-americano não é muito explorado em terra brazucas. Há o consumo da música em espanhol, sobretudo após o boom do novo Reggaeton (e nomes pontuais, como o RBD), mas quantas bandas de rock da América do Sul – por exemplo – nos são apresentadas? Enquanto público, eu conheci pouca coisa; tive de ir atrás e conheci uma cena chilena com grandes nomes após criar o Um Outro Lado da Música.

Abordo de um super Doblò, que os levaram para cinco cidades uruguaias e cinco argentinas (além da cidade de Santa Maria, RS), marcando presença nas rádios locais conversando sobre a sua história e sobre a música brasileira, o 43duo viveu um mês de dezembro singular em sua curta carreira. E nessa sensação de “inexploração” do “mercado hermano”, Hugo Almeida e Luana Santana, resolveram compartilhar a sua experiência na mais recente “Gira Sudamericana”.

Confra:

Hugo e Luana na Rádio argentina da cidade de Nequén, Lu5

Olá a todos e todas, tudo bem? Esperamos que sim. Que esse ano seja de muita arte e realizações para geral. O motivo de estarmos aqui nos manifestando através deste texto, que busca ser um panorama de auxílio na visão sobre uma turnê e produção artística, é poder incentivar e dar suporte a quem busca realizar seus sonhos.

Entre os dias 05/12/2024 e 22/12/2024 o 43duo realizou uma turnê que contou com mais de 15 apresentações ao vivo entre shows, festivais, rádios e tv. Um trabalho realizado a várias mãos. Para dar uma panorama geral: o 43duo é uma banda do interior do Paraná, da cidade de Paranavaí. O projeto foi concebido durante a pandemia, no ano de 2020, e conta com Luana Santana na bateria/sintetizador/voz e Hugo Ubaldo guitarra/voz. Em 2024 lançaram seu segundo álbum de estúdio, e realizaram mais de 4 turnês por várias regiões do Brasil na promoção do disco “Se7e Sonhos”. Todo este trabalho culminou na tour “Gira Sudamericana”, no fim de 2024.

Panorama geral discorrido, vamos ao que interessa… “como foi a tour por Uruguai e Argentina?”.

Já adiantando, foi sensacional!

 

43duo se apresentando na Biblioteca Popular Sarmiento – Usina Cultural del Cívico

 

Quando iniciamos 2024 tínhamos certeza que faríamos essa tour. O ponto era: Como? O 43duo não tem empresários, managers ou qualquer coisa do tipo. Somos nós que organizamos as turnês e toda logística. Se você tem banda, ou é artista solo, e faz esse trabalho… sabe bem o que estamos falando. Você precisa ter muita disciplina e profissionalismo. Não somos um “sucesso absoluto” nas plataformas de música, e isso torna o trabalho de fechar shows de forma independente ainda mais denso. Desse modo, tínhamos um grande desafio; a realização de uma turnê de grande porte (ao todo rodamos 7.000 km).

Como resolvemos isso? Fizemos contato com outros profissionais do ramo que se esforçam para fomentar uma rede de conexões entre artistas e produtores sul-americanos. Uma pessoa em específico foi essencial para realizarmos essa turnê, Paulo Zé. Com uma grande experiência em realização de eventos, tours e negócios em feiras de música, o Paulo pode acessar profissionais uruguaios e argentinos do ramo que muito dificilmente conseguiríamos fazer contato. Paulo é proprietário da Gamana Produtora e um dos sócios do icônico festival Morrostock (RS). Em 2023 participamos do festival, e isso também foi preponderante para a criação de conexões.

Com as datas fechadas, e o martelo batido, transformamos nosso carro (Doblò) em uma casa, e fizemos uma organização geral de cronograma e compras alimentícias para economizar na estrada. Somos um casal, e isso realmente facilita muito as coisas. A banda é um empreendimento familiar (de verdade).

Esse texto tem a intenção de ser um pequeno incentivador na conexão latino-americana. De um modo geral, inclinar artistas independentes a olharem para nossos vizinhos com um carinho mais especial. Vemos muitas bandas/artistas realizarem um esforço colossal na realização de turnês pela Europa e estados unidos (o que nós achamos genial, e queremos fazer também), porém, não realizam sequer um showzinho em terras sul-americanas. Se isso faz parte de um projeto de trabalho organizado, e dotado de uma filosofia consciente de entrada na Europa/EUA do seu trabalho artístico, essa reflexão não é para você. Agora, quando fazemos todo esforço do universo (financeiro/artístico) para irmos na “gringa” e nem sequer cogitamos ir ao Uruguai, Colômbia ou Peru… “algo de errado não está certo”.

Sem mais delongas, os shows foram incríveis. Nos deparamos no Uruguai com um público quente! A galera “agita” como estamos acostumados a ver no Brasil. Por questões históricas, os uruguaios, principalmente no interior da parte norte, consomem muita música brasileira, principalmente por conta da força que as tvs e rádios do Brasil tinham nos anos 80, 90 e até a primeira parte dos anos 2000. Ou seja, essa realidade se estende até hoje para o público 20+ que pegou um pouco desse período. Resultado: consumo de artistas independentes nas plataformas. A galera que foi nos shows, no bate-papo pós concerto, sempre citava artistas/bandas independentes brasileiras que curtiam. Tinha de tudo e de todos os nichos.

Na Argentina o cenário é um pouco diferente. O consumo se mostrou mais datado. A galera, em sua grande maioria, se lembra das grandes colaborações dos anos 80 (Paralamas e Fito Paez, por exemplo) e artistas consagrados de ontem como Milton Nascimento, Chico Buarque, Rita Lee e afins. Todavia, são pessoas que estão abertas ao novo, consomem música de forma moderna (a “galera underground” sabe quem é a Anitta). Resultado: a curiosidade e abertura se transporta para ao vivo. O que nos intrigou é o fato de casas de médio e pequeno porte (onde realizamos os shows) terem o costume de servir uma grande variedade de opções alimentares, ou seja, o público em sua esmagadora maioria, assiste o show sentados e comendo. Foi uma experiência bem diferente. Frisamos mais uma vez, fizemos shows em casas de pequeno e médio porte; essa realidade não é a mesma se você for se apresentar em locais gigantes e “famosos” como o teatro Vorterix.

Um ponto incrível que presenciamos tanto na Argentina como no Uruguai foi a força das rádios. Participamos ao todo de 7 programas de rádio e um de tv aberta. Fomos incentivados desde o início a realizar estas atividades, e sem mentira, pensávamos: “será que compensa?”. Estávamos raciocinando com a cabeça brasileira (a nossa). A realidade da maioria das rádios do Brasil, é uma visão monocromática derivada de uma monopólio de um estilo; existem exceções de rádios “rocks”, mas que em sua maioria tocam durante sua programação canções clássicas e famosas. Temos uma forte cena de rádios online e independentes, e isso é fenomenal. Mas estamos falando aqui de rádios de massa que abrem espaço a artistas independentes em horário nobre. Todas as participações que tivemos nas rádios nos rendeu seguidores e pessoas reverberando nossa arte. Além da divulgação dos shows, também executamos algumas canções, e isso foi um ponto forte de virada em nossas cabeças.

Quando fomos convidados aos programas havia a recomendação de realizar as canções ao vivo de forma acústica, o que para nós é um baita desafio. Sempre compomos com uma ideia geneticamente psicodélica e com muitos efeitos. Quando executamos as canções de forma acústica nas rádios e tv, percebemos o quanto nossa música é brasileira. Para nós, somos uma banda de indie-psicodélico que não tem necessariamente uma conexão direta com música popular brasileira. Para os ouvintes e apresentadores(as), essa não era a realidade; eles estavam ouvindo um artista brasileiro. Muitas das perguntas que se seguiram à execução da canção, eram exatamente sobre as nossas influências brasileiras. Ninguém perguntava sobre o The White Stripes, Tame Impala ou Pink Floyd. Isso foi tremendo. E para nossa maior surpresa, isso se repetiu em todos os shows.

Em um panorama geral, regressamos fortalecidos com mais contatos profissionais para um retorno, e acima de tudo, um público formado (pequeno? Sim. Mas um público para a nossa arte independente). Se afastar é bom para se sentir mais pertencente a raça humana e ver que as divisas são meras marcações de espaço numa bola de terra suspensa no universo… mas de todo modo, ser brasileiro é bem legal! Um conselho? Façam turnês sul-americanas.