Atualizado em: dezembro 9, 2025 às 7:14 am
Por: Arthur Coelho
Em outubro deste ano, o projeto ana paia enfim lançou “Continuar“, o primeiro disco de estúdio do quarteto composto por Pasinho (baixo), Rapho (guitarra e backing vocal), Yuri (bateria e backing vocal) e, é claro, Ana “paia” Paula (guitarra e voz principal). Influenciado por sonoridades do indie rock e do emo, o novo lançamento também carrega aspectos que flertam com o shoegaze na produção — sobretudo em faixas pontuais — e apresenta um conteúdo marcado por uma catarse sentimental que carrega um pedacinho de cada uma das (inúmeras) pessoas envolvidas no processo.
Como a própria banda disse no Instagram:
“Continuar” é o nosso primeiro álbum, e carrega um pouco de cada um de nós. Cada experiência, cada som, cada sentimento ajudaram a formar esse trabalho, que marca um novo momento da ana paia, diferente do que já fizemos, mas ainda com a mesma essência de sempre.
Curiosamente, a faixa que melhor resume todo esse espírito é um interlúdio gravado por um convidado especial: o onipresente Vitor Brauer (Lupe de Lupe e outros incontáveis projetos) em “Interlúdio de Vitor”. A faixa traduz com precisão a explosão sentimental jovem-adulta sentida à flor da pele que o grupo capta tão bem:
“Quando se é jovem, tudo parece mais importante do que é”
Essa catarse está presente não apenas nas letras, mas também instrumentalmente — ora complementando, ora tensionando o que é dito. Nesse sentido, “Eu Continuo Aqui” abre o debut de forma singular: uma peça acústica tranquila, sem vocais, quase uma respiração inicial. Em seguida, “Falha” surge em contraste, com uma atmosfera mais densa e pesada para representar sentimentos de culpa, arrependimento e dor, conduzidos pela voz carismática de Ana.
Ainda mais melancólica é “Essa Noite Bateu”, que derruba o ouvinte não através de riffs estrondosos, mas pela construção de uma atmosfera que afoga na tristeza de seus baixos e guitarras. “Pra Onde Eu Não Sei” também flerta com o desalento, mas aponta para um desejo de mudança: sair da inércia, do marasmo rotineiro, em busca de qualquer novidade que agite a vida.
Cansei de ficar esperando
mas não consigo levantar daqui
Só queria que acontecesse alguma coisa
Pra me tirar daqui
Se essa busca deu resultado? Melhor perguntar à curta “Sosseguei”, antes de o álbum mudar de direção com outra canção que explora dolorosas memórias de culpa por ferir alguém. Mesmo carregando um charme de indie rock, ela não poderia ter outro nome além de “Desculpa”.
Mais adiante, “5h da Manhã” se aproxima ainda mais do shoegaze ao quase nivelar o instrumental à voz de Ana, que carrega toda a confusão reflexiva que chega junto do sonambulismo da madrugada: os pensamentos que invadem enquanto tentamos resolver dilemas nossos e alheios. O single disfarça suas intenções de cuidado e amor sob um som mais poluído — e entra forte na disputa pela melhor faixa do álbum.
E essa competição é acirrada, sobretudo porque “Brutal”, gravada com Gabri Elliott (eliminadorzinho), é igualmente poderosa. A música captura a ansiedade do amanhã em plena vida noturna (“de manhã e de tarde eu não sou nada”), fazendo a faixa soar mais animada e veloz no brilho da bateria de yuri, cheia de marcações criativas e viradas perspicazes.
“Kleber” também merece destaque. A faixa retorna ao som mais sujo e ruidoso para expressar a apatia: “e eu me esqueci de como era sentir”, quase uma descrição literal do efeito anestésico de certos antidepressivos que inibem emoções. No final, ainda deixa uma ponte acústica que conduz naturalmente à música seguinte, “Talking to the Dogs”.
Essa é uma das músicas que demonstram que Continuar não se limita a uma paleta cinza e soturna marcada pelo emo e pelo shoegaze. O álbum também reflete a diversidade de pessoas envolvidas, abraçando outras influências como o indie rock e até o folk, que aparecem pontualmente na reta final do disco.
Em “Talking to the Dogs”, esse lado surge com um canto leve em inglês, enquanto Crescer explora a mesma estética, agora em português, para abordar as dificuldades da vida adulta de maneira acústica e íntima. Esse estilo retorna no encerramento com a inesperada Mãe, em que o quarteto mais uma vez abre seu lado confessional, fechando o álbum com delicadeza.
“Continuar” é um álbum que respira como quem tenta se reencontrar: tropeça, afunda, sussurra e explode….mas ainda segue tentando. E é em uma dessas tentativas que ana paia consegue transformar a bagunça da vida adulta em uma trilha sonora de sobrevivência triste, melancólica e que definitivamente espanta seus males com boa música.