Atualizado em: outubro 30, 2025 às 8:50 am
Por: Arthur Coelho
Sophia Chablau se tornou um dos grandes fenômenos da música indie rock/pop brasileira dos últimos anos. Independentemente de estar acompanhada pela banda Uma Enorme Perda de Tempo ou pelo Besouro Mulher, a artista conquistou um público à parte com um estilo despojado e diferente, em composições sinceras e criativas que transparecem influências da saudosa Rita Lee — e que agora ganham novas formas em um trabalho surpreendente.
“Handycam”, a grande novidade de Sophia neste ano, foi lançado em 1º de outubro pelo selo RISCO. Mas o disco não é apenas um passo em sua carreira solo, é algo maior: um projeto em dupla com o cantor e multi-instrumentista Felipe Vaqueiro, integrante do grupo soteropolitano Tangolo Mangos.
Apesar de carregar a identidade e os traços característicos dos dois artistas, esse novo trabalho é singular na discografia da dupla, principalmente por trazer uma ênfase mais direta na temática política e humanitária.
E isso não significa que os trabalhos anteriores sejam apolíticos — até porque a arte é essencialmente política. Vale lembrar que Sophia Chablau teve um show interrompido pela prefeitura de São Paulo há poucos meses, após se manifestar contra o genocídio palestino. O que “Handycam” faz então é tratar da política de forma mais evidente, levando a crítica incubada nas letras à total nudez.
Nesse mesmo tema, “Quantos serão no final?” fala abertamente sobre a Palestina, ao comando de um som rápido, psicodélico e quase punk — uma faixa que provavelmente será palco para falas e discursos da artista nos shows ao vivo:
Bomba de gás, mísseis e mais
Quantos Omar morrerão?
Bomba de gás, mísseis e mais
Quantos serão no final?
A canção é tão real quanto a triste história de “Lungs Full of Air”, que abre o álbum. Cantada em inglês, a faixa é uma homenagem a um amigo de Sophia que faleceu em 2021. Quanto ao som da faixa, é curioso notar que apesar dos vocais serem guiados pela língua estrangeira, os seus ritmos são 100% brasileiros, assim como em “Cinema Total”, agora cantada em português.
Esse mesmo cinema retorna em “Cinema Brasileiro”, uma reflexão sobre a produção audiovisual nacional e o incêndio da Cinemateca em 2021 — “O cinema brasileiro tá pegando fogo/ E eu estou pegando fogo pelo cinema brasileiro” — que ganham ganchos de metáfora para um flerte ou possível romance, com versos de leveza encantadora:
E eu estou apaixonado por uma menina
Ela também é do cinema brasileiro
Eu beijaria o set inteiro
Só pra disfarçar
Gravada em colaboração com Téo Serson, Theo Cecato e Vicente Tassara — todos integrantes da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo —, a faixa mostra bem o espírito coletivo e criativo que resultou no álbum.
Mais adiante, Felipe Vaqueiro assume o protagonismo com “Já não me sinto tão só (Para Júlia Zen)”, uma das melhores canções do disco. Dedicada a uma amiga, a faixa cumpre a difícil missão de falar da saudade de forma leve e divertida.
Quando se fala nas influências da MPB nos trabalhos da dupla, faixas como “Viciado em Carinho”, “Tempestade de Verão” e “Buracos” revelam as inspirações evidentes e mostram como Sophia e Felipe dialogam com diferentes gerações da música popular brasileira.
Pois mesmo em estilos distintos, “Viciado em Carinho” é puro suco de Rita Lee, enquanto “Tempestade de Verão” resgata o lado intimista de Marina Lima, e “Buracos” flerta com o samba de Cartola e o cordel nordestino.
“Campo Minada” é outra que se mostra interligada a tais influências ao colocar a dupla em um potente manifesto político e poético em prol da vida humana e obviamente anti-guerra.
Quantas bombas são precisas pra que um coração possa se desarmar?
Quando as bombas matam gente estadunidense vemos no jornal
Mas se é gente inocente longe do Ocidente, do Norte global
Se amansam as manchetes
Somem as claquetes
Não fazem questão
De lembrar que essas bombas não nascem do céu e nem brotam do chão
A canção mostra o lado mais crítico do álbum, enquanto “Canção de Retorno” toca no emocional ao narrar uma história real. Em entrevista à Noize, Sophia contou sobre a amiga síria Yara Ktaishe, que ficou dez anos sem poder voltar ao seu país devido à ditadura de Bashar al-Assad. Quando o regime caiu, em 2024, Yara finalmente pôde regressar — e a notícia inspirou a composição:
“Essa música tem uma história bonita. Tenho uma amiga síria chamada Yara Ktaishe, que ficou 10 anos sem poder voltar para a Síria por conta da ditadura do Bashar al-Assad. […] Escrevi essa canção pensando na loucura que é não poder pôr os pés em determinado território. Fiquei imaginando um pedaço de chão pedindo desculpas…”
“Handycam” termina da mesma forma que começa: em inglês. A faixa “You Never Know” encerra o álbum com um som acústico e íntimo — um registro que transforma fragmentos de diário em música, da mesma forma que uma “Handycam” transforma o olhar humano em imagem, registrando aquilo que insiste em ser lembrado.