Atualizado em: novembro 16, 2025 às 9:51 pm

Por Guilherme Costa

Com a facilidade que a internet e as plataformas de streamings geraram em relação ao consumo da música, tem sido mais comum conhecer artistas singulares, que desafiam a norma dos estilos para criar o seu próprio. São tantos, porém, que há um efeito que diminui o impacto de suas obras (por ora, hipotético), uma vez que a experiência de se chocar com algo estranho se torna usual.

Entretanto, há alguns trabalhos que conseguem se destacar entre o que normalmente poderia ser destacado. E esse é o caso da banda gaúcha Flor Et!

Formada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 2016, sendo atualmente integrada por Ada Bellatrix, Daniel Ribeiro, Diego Vogt, Mário e Rafa Zanette, o quinteto lançou o disco de inéditas (“Futurotrópica”) em 2022. Três anos após cair na estrada para promover o seu debut, neste ano de 2025 foi a vez do Flor Et impactar o underground nacional com o seu segundo disco de inéditas: “Brazapunk”, saiu neste ano.

Se no álbum de estreia, a banda focou em melodias mais suaves que quase os aproximaram de uma roupagem pop, em “Brazapunk” o título vai além da sua sugestão. Ele define a atmosfera urgente e distópica (embora os temas sejam bem reais e atuais), fundindo a agressividade do punk rock à liberdade desenfreada do Jazz/ Fusion (no sentido de não haver amarras criativas em sua música).

A guitarra distorcida do início de “Qsf” — abreviação de “que se foda” — nos leva a pensar que o álbum será “apenas” voltado para o Punk Rock. Mas quando a percussão e o teclado entra em ação, fica claro que ser básico está longe do universo do Brazapunk; a faixa, que fala sobre os ataques de 8 janeiro, é direta em apontar o dedo para os responsáveis pelo ato, com Ada utilizando do rap para dizer: não aceito todo esse alvoroço/ é a cara do desgosto dessa pátria que pariu/ gangue dos verme/ tudo empresário escroto/ seguidor do capiroto/ acham que é pelo Brasil/ foram enrolado, no zap manipulados/ não entende os dois lados/ nunca leu e nunca viu”.

As duas faixa seguintes, “Cansada” e “Balança”, podem muito bem resumir o tipo de rock and roll que o grupo faz, existindo numa atmosfera que é construída guitarras distorcidas e pesadas, bateria e baixo extremamente groovados, teclados muito presentes e o sax dissonante (?) da Ada. “Cansada”, aliás, foge um pouco dos temas políticos bem presentes no álbum, embora contenha um conteúdo que também podem ser politizado (já que tudo é político), a medida em que a Ada canta: Ai, eu to cansada/ cansada de provar o meu valor” e “e lá vou eu!/ levantar, encarar a batalha/ diária, pelear na praça/ mostrar que de onde eu vim/ a terra é fértil pra plantar”.

Dentre as faixas que podem ser enquadradas como usuais no estilo do Flor Et e as que destoam e, portanto, revelando o experimentalismo do grupo, “Tear” é a grande peça (como se fosse uma ópera) do disco. Dramática, densa, pesada e claustrofóbica, ela tem arranjos grandiosos (mesmo que em sua simplicidade) e dinâmicos, além de ser a melhor interpretação da Ada no disco.

A primeira metade do disco é encerrada com a já conhecida “O Corre” que, juntamente com “Cansada”, foram um ótimo cartão de visita para o novo público que a banda conquistou, caminhando entre o punk/hardcore, groove e o saxofone. Tal estrutura é basicamente o tom do álbum, com outras faixas fortalecendo essa marca (“Fronteira”). Já a segunda parte é marcada pela quebra — em partes — dos padrões estabelecidos nas faixas anteriores; primeiro com “Suspiro”, um samba/forró que foca mais na resiliência do que no confronto; e, em segundo, com os sintetizadores de Diego Vogt tendo uma presença mais destacada nas faixas  cuja atmosfera é bem ao estilo Sci-fi (“Resistir”) e futurista em (“Fuck Fuck”).

“Brazapunk”, além de mostrar um grande salto de qualidade do grupo, também estabelece um novo som dentro do rock nacional, cheio de bandas que vão além do clássico guitarra-baixo-bateria. Entre tons distópicos e letras cruas, ácidas e urgentes, Ada, Daniel, Diego, Mário e Rafa são protagonistas de uma obra que é notável por sua versatilidade e inquietação.