Atualizado em: dezembro 17, 2025 às 8:59 am
Por Guilherme Costa
Um dos grandes clichês brasileiros é exaltar o tamanho das dimensões do nosso país, por si só, sem que haja algo que exemplifique tal riqueza e mostre como o Brasil é diferente em cada uma das suas pontas. Digo isso, porque, no geral, sempre olhamos para as atividades artísticas que acontecem nas capitais, ignorando o que ocorre em cidades do interior — a não ser quando acontece o movimento do interior para a capital.
Vindo de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, e atualmente formado por o Rafael Decari (vocal e guitarra), Guilherme “Nino” Moraes (bateria), Patrick Bruxel (baixo) e Victor “Vitinho” Tavares (guitarra), o A Virgo foi formado em 2016 e lançou o seu segundo disco neste ano, “dois verões ou a viagem de sífero”, no dia 9 de maio.
Cinco anos após a estreia, “Sofá 7”, o novo disco mostra um grupo disposto a expandir os limites da estreia, partindo do Neo Soul para outras aventuras. Sem amarras, o groove é inserido em camadas de Reggae, Soft Rock, Rock Psicodélico, Jazz e tantas outras coisas que você possa absorver, mesmo que a intenção seja de algo fechado.
“É um disco que fala da circularidade da vida, da repetição que ganha sentido quando a gente encontra prazer até no cansaço. Por isso a figura do Sísifo é tão forte” Comentou Rafael Decari ao finado portal Monkeybuzz.
O mito de Sísifo, cuja figura central foi condenada a empurrar uma pedra até o pico da mais alta montanha da terra dos mortos num grande ciclo vicioso (uma vez que a pedra, ao chegar no topo, rolava para baixo), teve o nome levemente alterado para “Sífero” no título do segundo lançamento completo do grupo novo-hamburguense (como explicado na já citada entrevista ao Monkeybuzz).
Entre o Indie Rock safado, que o grupo se autointitulou, e as texturas e grooves e liberdade do Neo Soul, e mesmo que contenha um teor circular (fechado), o A Virgo está bem longe de soar repetitivo ou preso a uma só fórmula. Pelo contrário, entre as faixas que abordam nostalgia, superações de amores frustrados e etc., há uma fluidez de ritmos, cadências e texturas.
Há o que o A Virgo fez em “Sofá 7”, como as faixas — e singles promocionais — “eu sei (nada vai mudar)” e “e já passou da hora”, baseadas num ritmo dançante (sobretudo a segunda faixa) e numa atmosfera mais serena direcionada para um Neo Soul mais convencional. Mas o que se destaca no disco é a liberdade que faixas como “a viagem de sífero” emulam; ligando o modo Jazz Fusion Psicodélico, a música é daquelas que você não sabe onde e como vai terminar ao passo que a letra é tão expansiva quanto, dando margem para diversas interpretações: “Supernova informativa/ Eu vou correr/ Sete em ponto/ Um trecho e um tranco/ Eu vou correr/ Ciclos voam/ Passam lento/ Eu vou correr/ Chá de boldo/ Um terço e um tanto/ A percorrer/ (Sete em ponto um trecho e um tranco eu vou correr)”.
Nesse movimento de ir e voltar, ser igual e soar diferente, as dez faixas do álbum estão organizadas de uma forma que isso fique evidente. Entre o Blues de “não conte comigo”, faixa que conta sobre o desgaste de uma relação disfuncional e que é sentenciada com o refrão “não conte comigo” repetido a exaustão, e as guitarras fortes da faixa “ao vivo na oma”, está a nostálgica e atmosférica “álamo”. Entre o Reggae/Dub de “av. paraguassú” e o Drum-and-Bossa-fusion de “fim dos tempos”, que conta com a participação de Zilladxg, está o Space Rock de “mergulho à vida”. Ecossistemas distintos que conseguem se conectar no andamento do álbum.
“Dois verões ou a viagem de sífero” é um bom exemplo de como a arte é subjetiva e paradoxal, uma vez que ela reverbera o sentido dado pelo grupo ao mesmo tempo que se distancia. Ele vai e volta, assim como os ciclos das nossas vidas.
O A Virgo está entre os Melhores do Ano do Um Outro Lado da Música!