Atualizado em: abril 15, 2025 às 9:56 am

Por Guilherme Costa

Neste mundo da internet, onde a maioria das notícias são derivadas de outras notícias, há ainda o trabalho do jornalista que vai para a rua em busca de algum fato. Independentemente da editoria, é caindo no mundo que a nossa função se justifica. E após um ano de site, chegou a minha vez de sair da frente do notebook e ir de encontro ao que acontece nas noites paulistanas. Shows!

O Picles, casa de shows localizada em Pinheiros, foi o local escolhido por dois bons motivos: Feralkat (projeto da multi-instrumentista Natasha Durski) e a Papisa (projeto da, também, multi-instrumentista Rita Oliveira). Para além dos shows, o Picles também é um bar “normal”; o sobrado conta com uma sala para karaokê, outra com instrumentos liberados para jams, e outros dois espaços (um aberto e outro fechado) destinados para um rolê boêmio. Esta informação é importante, porque não eram todas as pessoas que estavam lá por causa dos shows. Mas isso não foi um impeditivo para a curiosidade deste grupo de pessoas dessem uma espiadas nas apresentações.

Como eu cheguei cedo, deu tempo de beber umas cervejas, observar a casa enchendo aos poucos e ver a Natasha Durski dando uma entrevista. Uma estrela!

Às 22:34, finalmente, Durski subiu ao palco acompanhada da musicista Thalita Arruda (Anis Estrelado) para apresentar o repertório do seu álbum de estreia “Corpo no Mundo // Corpo que Habito”, lançado em 2023. O disco é um Dream Pop, meio Noise, meio Industrial, com camadas extremamente densas e oníricas. E essas texturas sonoras se fundem com a Natasha Durski, a Feralkat, numa performance que vai além de um mero show de música.

Após uma intro de pouco mais de um minuto, a Feralkat emendou “Vanish like sunset” e “Miragem” (duas das minhas favoritas), hipnotizando o público que deixou os espaços de interação para presenciar o show. Enquanto as programações preenchiam a pista do Picles, Durski era possuída pela persona Feralkat deixando a potência da sua voz e performances corporais guiarem a sua guitarra e sintetizadores. “Existo” e “Lynciana” – faixa da qual a sua atmosfera é inspirada na obra do falecido diretor David Lynch – mantiveram a performance em alto nível, enquanto a plateia seguia com os olhares fixados na dupla. Ah, ali em cima eu comentei do pessoal que não estava necessariamente lá pelos shows. Pois bem, alguns desses “transeuntes” pararam para conferir o que estava rolando no palco!

“É um momento, tipo, já entra numa tensão e depois vai liberando. Daí vai pra tensão no “Colapso Tropical”. Então a ideia do show é esse. Começa numa tensão, libera, vai pra uma coisa mais surreal e daí cai de volta na coisa pesada. Porque eu gosto de colocar “Colapso Tropical”, por exemplo, no final. Porque é uma música que é muito intensa e tem essa questão social. De tudo. Enfim, quem viu o clipe sabe que é muito mais do que eu falo na letra, tá no clipe ali, eu questionando neoliberalismo e tudo mais dentro do vídeo, trazendo Angela Davies pra fortalecer. Então, é meio que assim, eu gosto de começar nessa tensão da “Vanish” [like sunset], daí eu deslizo pra parte surreal, e daí vem o “Colapso pra trazer a tensão do negócio, porque assim, não faz sentido pra mim fazer a arte sem questionar.” Comentou a cantora sobre a dinâmica do seu show e as faixas que soam melhor ao vivo.

Em janeiro do ano passado a turnê do “Corpo no Mundo // Corpo que Habito” passou por São Paulo (e eu estive no Fffront) e “Vivid Vision”, música do disco de estreia do The Shorts (antiga banda da Natasha), fez parte do repertório. Dessa vez, “Talk Show Host”, do Radiohead, foi incorporada ao mundo da Feralkat, ganhando uma roupagem eletrônica. Enquanto Thalita dedilhava o icônico riff do Thom Yorke, Durski se apossava da música, empregando a sua identidade artística na versão.

O show se encaminhou para o seu fim, e Durski aproveitou para dizer que a apresentação fazia parte da mini turnê (que passou por São José dos Campos e Santos) que encerraria o ciclo do seu álbum de estreia, e aproveitou para dizer sobre a pretensão de lançar o seu segundo disco ainda neste ano. E então ela tocou o riff inicial de “Colapso Tropical”, para atingir o momento de tensão que ela comentou. “Corpo no mundo” teve a missão de encerrar a grande performance que a Natasha (juntamente com a Thalita) entregou, às 23:19. Som, imagem e performance são os componentes que transformam a experiência visceral; conseguindo, inclusive, reproduzir muito bem o disco para o ao vivo:

“Eu tenho muito esse cuidado de pensar nas camadas e nas atmosferas dos discos. E pra mim é muito importante que o show seja pelo menos parecido com isso. Eu acho que o show é um pouco diferente porque ele é mais visceral que o disco. Mas eu tento trazer todas as atmosferas! Como a gente toca em duo, na maioria das vezes, nas backing tracks e nos beats a gente tenta trazer toda essa atmosfera junto com o show, que a gente vai trocando de instrumentos e tenta trazer toda essa atmosfera junto nas backing tracks que foram preparadas para o show porque a gente tem a mixagem do disco e as coisas que vêm junto dentro do show foram mixadas para o show; então a gente teve essa preocupação de mixar as músicas para o show porque a gente sabe que é diferente do que um disco ao vivo”. Concluiu.

Setlist – Feralkat

1. Intro + Vanish like sunset
2. Miragem
3. Lynchiana
4. Existo
5. Talk Show Host (Radiohead cover)
6. Colapso Tropicaos
7. Corpo no mundo

Depois, em entrevista para o site, ao ser perguntada sobre como seria o sucessor, ela explicou que “o disco seria mais maduro” e que teria outros elementos para aumentar o universo da Feralkat, como metais, elementos de Jazz, musica japonesa dos anos 70, noise. “Esse disco a gente vai chegar com dois pés na porta!” Arrematou.

Papisa

Ao contrário das resenhas de shows de médio/ grande porte, onde a troca de palco é realizado por uma grande equipe. No Picles, esse processo é mais ‘do it yourself’, como manda o figurino do mundo do underground. E enquanto a Natasha e a Thalita desmontavam e guardavam os seus instrumentos, Papisa e banda realizavam os últimos ajustes para a sua apresentação.

Pouco tempo depois, exatamente às 23:52, Rita Oliva (a Papisa) e os seus companheiros de banda Rubens Adati (guitarra), Allen Alencar (baixo) e Leo Mattos (bateria), iniciaram o aguardado show com a música “Amor Delírio” – faixa título do mais recente álbum de estúdio da musicista, que completou um ano no último sábado (12), e que conta com a participação de Luiza Lin. Recentemente ela havia fraturado o pé, mas conseguiu se recuperar a tempo dos ensaios, o que poderia causar certo temor: “fiquei praticamente 40 dias sem colocar o pé no chão, mas me recuperei bem a tempo dos ensaios, então senti mais a alegria de poder voltar a tocar e andar do que qualquer tensão”. Declarou.

A alegria de estar bem para tocar foi notória quando ela e a banda executou a dançante “Romance Vago”, colocando o público para dançar (incluindo Irina Bertolucci, da Garotas Suecas). Sorridente, Papisa se dividia entre o canto, sintetizador e a dança; e o clima de romance seguiu com a bela “Apesar”.

Rita também é taróloga, fato que influenciou no seu primeiro disco “Fenda”, e antes da quarta faixa ela comentou que era noite de lua cheia. “Esperar Pra Ver” e “Corte” foram as próximas faixas que seguiu colocando o público para dançar – “Corte”, a propósito, é uma das faixas mais legais de “Amor Delírio”, devido aos belos e empolgantes arranjos; o baixo de Alencar, a guitarra de Adati e a bateria de Mattos foram reproduzidas com grande qualidade no palco do Picles.

O segundo disco de inéditas da Papisa é sobre as diversas fases do amor e uma dessas fases amargas é retratada na faixa “Vai Passar”. Empunhado da sua guitarra, o seu refrão questionador (“What happens now?”) foi celebrado pelos casais e solteiros que estavam em sua frente. Após a instrumental “Vento”, “Roda” foi a primeira faixa do seu álbum de estreia a ser executado; aqui vale um destaque à parte, porque o álbum é uma das poucas faixas que dialogam com o Indie de “Amor Delírio”.

“Inclui duas faixas do “Fenda” no show novo, com arranjos adaptados com a banda de “Amor Delírio”. Escolhi essas duas porque elas têm uma estrutura mais próxima da canção, como as do disco novo. Gosto muito de ver como as composições não precisam ficar presas a uma estética ou a um fonograma e podem se renovar com o passar do tempo. A ideia foi criar versões que as aproximasse da fase atual, e uma delas vai inclusive ser lançada ainda esse semestre.”

Após “Roda”, “Melhor Assim” – a segunda faixa de – “Amor Delirio” – voltou a agitar o público. Em seguida, a Papisa introduziu a música “Fenda”, dizendo “essa era pra quem é old shcool”. E então as primeiras notas de “Dores no Varal” recebeu a melhor resposta do público. Todos cantaram, dançaram e gritaram o refrão (“eu plantei flores no quintal/ amores no verão/ dores virarão roupas no varal”) numa total catarse coletiva. Um hino!

“Fronteira” deveria encerrar o show à meia noite e trinta e nove, mas a ovação e o pedido de bis foi tão contundente, que não houve outra decisão a não ser satisfazer o público: “Amor Delírio” foi tocada novamente, para a felicidade dos presentes no Picles. Depois não teve jeito, só restando a uma nova ovação à Papisa.

“Mr Brightside”, do Killers, tocou e seguiu com os trabalhos do Picles madrugada a dentro!

A noite divida entre Feralkat e Papisa não foi algo inédito, já que no ano passado elas também tocaram juntas. E, num sentimento mútuo, Rita Oliva celebrou a sua companheira de palco e comentou sobre uma possível collab:

“Conheci a Natasha em Natal, tocando no festival Do Sol em 2016, como vocalista da The Shorts, e fiquei impressionada com a performance dela. Ela é uma artista intensa e verdadeira, impossível não sentir a profundidade em tudo que ela faz. Adorei a nova fase da Feralkat com toda a multiplicidade de linguagens. Sobre a collab, seria lindo, vamos ver o que vem pela frente!”

Setlist – Papisa

1. Amor Delírio
2. Romance Vago
3. Apesar
4. Esperar Pra Ver
5. Corte
6. Vai Passar
7. Vento
8. Roda
9. Melhor Assim
10. Fenda
11. Dores no Varal
12. Fronteira
Bis – Amor Delírio