Atualizado em: março 14, 2025 às 10:19 am
Por Arthur Coelho
Na última terça-feira (11), a banda curitibana Terraplana lançou o seu tão aguardado novo disco “natural”: uma mistura do já mostrado shoegaze do grupo com elementos de dreampop, lançado pelo selo Balaclava.
Dessa vez, o quarteto composto por Stephani Heuczuk (baixo e vocal), Vinícius Lourenço (guitarra e vocal), Cassiano Kruchelski (guitarra e vocal) e Wendeu Silverio (baterista) se uniu ao produtor estadunidense JooJoo Ashworth para a finalização de suas dez faixas.
Suas músicas ainda estão repletas de elementos inaugurados em “olhar para trás” (2023), que agora também se expandem para um novo universo tanto melódico quanto dramático e melancólico em uma melhor produção. Suas canções ganham mais versos e mais vida, mostrando vocais versáteis e limpos que também culminam num maior destaque para a voz de Vinícius Lourenço, que tanto se alterna quanto se junta à voz de Stephani.
As vozes de “natural” soam de forma impecável, dividindo o sentimentalismo da banda com um instrumental repleto de riffs distorcidos, um baixo que segue o ritmo das guitarras e uma bateria que esbanja ghost notes (notas fantasmas, tocadas de forma mais abafada).
Porém, mesmo com esses elementos novos, o terraplana não perde a sua identidade, muito pelo contrário. A própria faixa de abertura salto no escuro faz referência ao disco anterior, que inicia com o verso “pq não se joga; sem olhar pra trás; sem se preocupar”. Com um vocal profundo, distante e um instrumental que “bola” uma valsa confusa, a nova música captura o momento em que esse alter ego pula sem paraquedas, se arrisca e, enfim, se abre.
A composição desse novo disco é quase como uma constatação de alguém que aprende a se expressar aos poucos. Ele conseguia dizer algo, mas de forma muito confusa e com poucas palavras, mesmo que estivesse explodindo por dentro. Agora, ele começa a falar de forma mais compreensível, ainda que tenha receios de falhar. E tudo isso começa com um salto no escuro.
Por essa razão, as músicas do terraplana ganha mais palavras, emoções e até cores, se apegando na introspecção e em uma nostalgia de um tempo inexistente, algo bastante evidente no single “charlie”, em que a voz melódica e sussurrada da baixista do grupo canta o belo verso:
“Só quero estar aqui, do começo até o fim O tempo voa sem esperar/ E te levando, eu sei que um sonho bom vai chegar/ Com você”
Outra faixa que saiu como single foi “hear a whisper”, que começa com uma pegada mais pop e finaliza de forma sombria com a contribuição da cantora Samira Winter em seus versos cantados em inglês. Além de amanhecer, sobre uma crise existencial que remete àquela madrugada de insônia em que o tempo parece ter sido congelado. Seu refrão é forte e demonstra a grande parceria de Stephani e Vinícius nas vozes.
“Todo dia” também trata de algo parecido, mostrando um cansaço com a rotina e a repetição diária ao som de guitarras ao estilo Slowdive, um baixo potente e momentos que parecem ter sido gravados com uma bateria eletrônica. Essa mesma estagnação chega a dar nome para uma faixa: horas iguais, uma canção em que o instrumental conversa em total sintonia .
O novo álbum da banda de shoegaze também dialoga com muitos outros de grupo de referência, que curiosamente também são artistas que os curitibanos já fizeram shows em conjunto, a exemplo dos estadunidenses do Deafheaven, que ficariam orgulhosos dos riffs de “airbag”.
Essa é, talvez, a canção mais sentimental de toda a compilação, extraindo do conjunto musical a agonia dos versos “não quero deixar ir; não quero evitar; não quero deixar ir”, que encerram a música de forma surpreendente e logo dão espaço para a virada de bateria que abre a faixa “S.N.C”, uma quase fusão entre a melodia da banda Terno Rei com a criatividade melancólica da banda curitibana.
A depressão ganha espaço em “desaparecendo”, que reforça a introspecção de alguém que se sente invisível, que não consegue se abrir, desabafar ou se expressar, apesar das tentativas. “Sempre foi difícil; dizer tudo que sinto; agora eu estou desaparecendo”.
Os 34 minutos de “natural” se encerram no abismo depressivo de “morro azul”, que conta com a maior duração em toda a discografia da banda. A faixa é extremamente tocante e de fácil identificação, trazendo a solidão (“não tem ninguém aqui”), a falta de autoestima (“por que eu não sou como você?”) e a desilusão (“e eu já tentei te descobrir como mais um”) para um plano deprimente que ressoa nos fortes versos: “Eu já nadei e me afoguei no azul; Morro azul”.
A bateria de Wendeu também é destaque na faixa de encerramento, usando a caixa de maneira minimalista (lembra das ghost notes?) e trocando de pratos de acordo com a progressão dos potentes riffs da música.
“Natural” é a prova cabal do sentimentalismo sensível e ainda mais expressivo do terraplana, um grupo que se inventa, reinventa, se fecha, se abre e principalmente, que continua a expandir seus horizontes de influências criativas sem perder sua autenticidade.