Atualizado em: agosto 8, 2025 às 7:13 pm
Por Victor José
Ele está impregnado em nossas vidas desde que apareceu. A gente pode nem sempre notar sua presença, mas, quando escutamos maneirismos no vocal de algum cantor ou cantora ocidental, lá está Buddy Holly, fazendo escola com seu modo soluçado de apimentar uma canção.
Quando alguém assume a função de frontman e guitarrista, lá está ele também, indiretamente evocado. Quando você observa as vitrines das lojas de instrumentos musicais e se depara, quase que fatalmente, com uma guitarra Stratocaster sunburst, lá está ele novamente — homenageado de modo subliminar. Ou então, se você tem esse visual meio desajustado e nerd e acha que tem algo a dizer por meio da sua arte, é muito provável que seu cérebro tenha esbarrado, em algum momento, no arquétipo de Holly.
O primeiro nerd cool
Bastou um ano e meio para que o texano Buddy Holly se tornasse um dos maiores compositores da história da música do século XX. Tratando-se de rock, talvez tal feito tenha se repetido apenas uma vez: com o surgimento dos Sex Pistols, duas décadas depois.
Buddy Holly também foi um dos pioneiros no uso de técnicas de gravação alternativas, como a dobra de vocal, palhetadas em primeiro plano e uso controlado de reverb (vide como o efeito entra e sai da bateria em “Peggy Sue”, gravada com um único tambor). Outra coisa bastante notável é que ele ia um pouco além da fórmula do blues. Ou seja, às vezes inseria um acorde inusitado nessa estrutura já consagrada, o que acabava fazendo toda a diferença.
Enfim, por esses motivos vou falar sobre o único e sensacional álbum de Buddy Holly & The Crickets: “The ‘Chirping’ Crickets”. Lançado em novembro de 1957, esse monumento do rock é uma espécie de síntese do que esse gênero significa.
“The ‘Chirping’ Crickets” está para a música pop como “A Primeira Noite de Um Homem” (1967) está para a Nova Hollywood. Assim como o filme, tudo o que você precisa saber para entender o contexto está ali, muito bem inserido.
Alguém pode argumentar dizendo que o rock mudou muito, a ponto de bandas, muitas vezes, não terem nenhum traço dos pioneiros… A verdade é que, sem caras como Holly, o Sigur Rós não existiria nem em pensamento, pois não teria My Bloody Valentine, que, por sua vez, não teria assimilado Brian Eno, que, por sua vez, não passaria por Velvet Underground, tampouco por Bob Dylan — que, por sua vez, não seria quem foi sem Buddy Holly. Não é nenhum exagero pensar assim. As coisas são o que são por causa dos seus alicerces.
Juventude como revolução
Algo como “Oh Boy!” vai muito além do simples sentimento de juventude. É uma afirmação artística até então quase inédita, a ponto de soar surpreendentemente estarrecedora, se levarmos em consideração o contexto da época. Ali temos um jovem falando de algo do seu convívio para uma infinidade de outros jovens.
Vale lembrar que, antes do rock ‘n’ roll, ser menor de idade era praticamente o mesmo que não ter voz alguma. Pensa o quanto esse estilo de música pode estar atrelado a essa conquista.
Considerando a sonoridade apenas, o álbum é um trabalho incrível de ponta a ponta. “That’ll Be the Day” é um verdadeiro standard do século XX. A guitarra magra de Buddy Holly, combinada com seus vocais expressivos, dá um ar cool — um pouco diferente do de Chuck Berry, por exemplo. Mas, enquanto Berry investia numa sonoridade mais erótica e selvagem, Holly mostrava o rock ‘n’ roll básico com uma sofisticação irresistível.
As baladas também ganham lugar de destaque, como é o caso de “An Empty Cup”, que, além de mostrar o cativante feeling vocal de Holly, também evidencia o talento do guitarrista imortalizado como o primeiro herói munido de uma Fender Stratocaster.
Todos sabem que ele foi uma das principais influências dos Beatles — e, ouvindo “Maybe Baby”, é fácil entender o motivo. A faixa poderia estar em qualquer disco da fase engravatada do quarteto de Liverpool.
Os Stones também beberam muito dessa fonte, tanto que “Not Fade Away” foi escolhida como um dos primeiros singles do grupo, sendo executada ao vivo até hoje. Aqui, no álbum dos Crickets, a canção não tem a mesma malícia dos ingleses, mas brilha com o vocal soluçado e o clima despretensioso.
O curioso em Buddy Holly é que seu som não é tão vibrante quanto o de Little Richard, por exemplo, mas, em “Rock Me My Baby”, há muito do espírito daquelas festas de salão dos anos 1950. Aliás, é uma faixa meio Elvis Presley.
“The ‘Chirping’ Crickets” é, de certa forma, bastante diversificado. Seu resultado é uma salada de country com R&B e blues muito bem estruturada. É um disco realmente gostoso de ouvir. Se você curte sons antigos, é quase certo que vai querer repetir tudo de novo, e de novo, e de novo… Esse cara tem carisma! Queria poder voltar no tempo e escutar tudo isso pela primeira vez. Imagina?
Pioneiro em vários aspectos
Além de tudo isso, o Buddy Holly & The Crickets foi uma das primeiras bandas a apresentar o formato clássico que moldaria o rock nas décadas seguintes: dois guitarristas, baixo e bateria. Isso pode parecer detalhe hoje, mas, à época, era uma pequena revolução, e influenciou diretamente a formação dos Beatles, que inclusive escolheram o nome do grupo em referência aos Crickets.
Holly também foi um dos primeiros artistas a lutar por créditos como compositor, num tempo em que os intérpretes geralmente apenas gravavam músicas prontas, escritas por profissionais contratados pelas gravadoras. Essa postura autoral, meio tímida, mas firme, ajudaria a abrir caminho para toda a geração de músicos que queriam escrever e cantar suas próprias histórias.
Após sua saída dos Crickets, Buddy ainda lançaria um disco solo, igualmente excelente, ainda mais sofisticado e pop. Porém, um acidente de avião tiraria sua vida aos 22 anos. Mas o impacto já estava consolidado: ele havia redesenhado a música do seu tempo com um único disco.