Atualizado em: abril 10, 2025 às 4:08 pm
Por Victor José
Apesar de considerar “Dig Your Own Hole” (1997) o ápice criativo do The Chemical Brothers, “Surrender” (1999), além de também ser excelente, me marcou mais. Esse, que é o terceiro álbum da dupla, talvez tenha sido o primeiro disco que me fez voltar os ouvidos para a música eletrônica.
O som idealizado por Tom Rowlands e Ed Simons vai muito além das efêmeras batidas de pista de dança. O eco psicodélico de influências sessentistas, a euforia da Madchester e o tom melodioso do contemporâneo britpop dão ao The Chemical Brothers um forte tempero exótico, credenciando o duo como um dos mais importantes e influentes grupos do gênero Big Beat, representado também por Prodigy e por Fatboy Slim. Por um momento, esse foi o som mais convicto do futuro.
Em “Surrender” temos uma banda recém-consagrada e ávida por atenção, ou seja, aquele era o momento essencial para não deixar a peteca cair. Sabendo disso, percebe-se como esse trabalho foi pensado com cautela e consequentemente importante tanto para o gênero quanto para a dupla.
Experimentação no auge
Dá para dizer que esse é o disco mais popular da dupla, principalmente porque pelo menos dois hits de grande sucesso estão na tracklist. Além disso, as participações especiais de peso chamam atenção até mesmo do público que não se liga em música eletrônica. Por exemplo, a irresistível e já clássica “Let Forever Be”, com vocais de Noel Gallagher (Oasis), é algo extremamente memorável entre os hits dos anos 1990. A lisergia a la “Tomorrow Never Knows” combinada com a bateria dançante embalam até hoje uma infinidade de discotecagens por aí. Ainda dá certo e tudo indica que sempre dará.
Mesmo que não fosse um dos êxitos comerciais de “Surrender”, “Out Of Control” continuaria sendo um destaque. Também conta com participações, dessa vez com os vocais de Bernard Summer e Bobby Gillespie, New Order e Primal Scream, respectivamente. Isso por si só já é histórico. Aquele baita groove mais parece um Depeche Mode com esteroides.
“Orange Wedge”, com seu baixão, dá uma cadência ao álbum, desacelerando os BPMs. De uma forma mais chapada, o duo constrói um crescendo em “Sunshine Underground” e, ao longo de quase nove minutos, entrega uma imersão de pista em estado puro.
Coloridas, vibrantes e guiadas por um ritmo inteligente, “Music: Response”, “Under The Influence” “Got Glint?” e “Surrender” apresentam a possibilidade de música dançável com notável criatividade. Pouca gente é capaz de fazer isso soar coisa séria, e ao mesmo tempo é muito difícil ouvir cada um desses sons sem mover minimamente o corpo.
As participações continuam a colorir “Surrender” em “Asleep From Day”, desta vez com a sempre hipnótica Hope Sandoval (Mazzy Star) nos vocais, em um dos momentos mais bonitos e etéreos do álbum. Há um sabor de Velvet Underground escondido nessa faixa, o que torna a coisa mais interessante.
Mas para muita gente todos os holofotes se voltam para a já clássica “Hey Boy Hey Girl” — uma espécie de hino de nicho. Dá até pra arriscar que todo mundo que saiu alguma vez na vida pra balada e ouviu essa música se empolgou e acabou dançando, nem que fosse só batendo o pé. Para o bem ou para o mal (especialmente pra quem torce o nariz pro eletrônico), esse talvez tenha sido o último grande hit sobrevivente dos anos 1990 — lançado como single em maio de 1999 e um baita êxito internacional.
Para encerrar o álbum, o The Chemical Brothers vai de “Dream On”, com outra participação. Jonathan Donahue (Mercury Rev) faz os vocais, violão e piano. O LP encerra gerando boa impressão. Por fim, “Surrender” consegue manter a gigante reputação do duo, consolidada em “Dig Your Own Hole”, e ao mesmo tempo abocanha mais público com hits relevantes.
“Só uma pessoa realmente sentindo a vibe”
Vale destacar também a capa do álbum, que é uma obra à parte. Criada pela artista londrina Kate Gibb, especialista em serigrafia, a imagem é uma releitura psicodélica da foto “Jesus Amongst the Fans”, de Richard Young, tirada em 1976 no Great British Music Festival. O retratado é William Jellett, figura lendária dos festivais britânicos, famoso por dançar em transe e distribuir frutas secas como seus “milagres”. Segundo Ed Simons, a imagem resume bem o espírito dos shows da dupla: “todo mundo sentado, relaxado, e só uma pessoa realmente sentindo a vibe”
Mesmo que não seja amplamente reconhecido dessa forma, este é sim um trabalho fundamental para se compreender toda uma época, quando na virada do milênio as coisas no mundo da música pareciam meio caóticas e sem uma direção a ser tomada — o que permeia até hoje.
É um bom disco para recomendar para quem nunca prestou atenção no Big Beat. E, além dos rótulos, é um ótimo registro de música por si só.