Atualizado em: março 13, 2025 às 10:00 am

Por Victor José

Um dos motivos para falar sobre o Jefferson Airplane é que, no Brasil, a banda ainda não parece ter sido completamente assimilada. O mesmo vale para grupos como Allman Brothers Band e Roxy Music, que, apesar de sua enorme influência na música em seus países de origem, não tiveram por aqui o mesmo impacto cultural.

Formado em 1965, em São Francisco, nos Estados Unidos, o Jefferson Airplane, liderado por Marty Balin (vocais) e Paul Kantner (guitarra e vocais), foi um dos precursores do que mais tarde seria chamado de rock psicodélico. No auge do “Verão do Amor”, em 1967, a banda conquistou as rádios com sucessos como “Somebody to Love” e “White Rabbit” — dois clássicos que, para o grande público, acabaram se tornando suas músicas mais lembradas.

O Jefferson Airplane sempre foi inventivo, tanto em estúdio quanto ao vivo. Jorma Kaukonen (guitarra), Jack Casady (baixo) e Spencer Dryden (bateria) tinham forte inclinação para improvisos, enriquecendo o som do grupo com influências de jazz e blues, enquanto Balin e Grace Slick entrelaçavam suas vozes com a guitarra Rickenbacker de 12 cordas de Kantner.

Era como se estivessem constantemente reinventando harmonias, mas sem abrir mão de um pano de fundo propício a longos improvisos instrumentais. Essa fusão peculiar soava como um cruzamento entre The Byrds e Cream, com uma dose extra de caos. Hoje, essa abordagem pode parecer comum entre bandas psicodélicas, mas, na época, era algo verdadeiramente inovador.

A influência cultural do Airplane se estendeu para além da música, ajudando a moldar toda uma geração e o espírito contracultural dos anos 1960. Suas letras, frequentemente carregadas de referências ao LSD, à liberdade de pensamento e à resistência política, tornaram-se trilha sonora do movimento hippie e dos protestos contra a Guerra do Vietnã.

A presença marcante de Grace Slick como uma das primeiras mulheres a estar à frente de uma grande banda de rock também ajudou a redefinir o papel feminino na música, abrindo caminho para futuras artistas como Stevie Nicks, Patti Smith e Chrissie Hynde, que carregam sua inspiração. Além disso, a sonoridade experimental deles influenciou diretamente bandas das décadas seguintes, como The Flaming Lips, Tame Impala e The Brian Jonestown Massacre.

A fase áurea da banda vai de 1966 a 1969, e correspondem a esses álbuns de estúdio:

“Jefferson Airplane Takes Off” (1966)

 

O álbum de estreia do Jefferson Airplane ainda não contava com Grace Slick nos vocais nem Spencer Dryden na bateria. Na época, essas posições eram ocupadas por Signe Anderson e Skip Spence, que mais tarde fundaria o Moby Grape.

Musicalmente, o disco traz uma forte predominância do folk rock, o que se revelou um ponto positivo. “Takes Off” é um álbum agradável do início ao fim e, como acontece em muitas estreias, soa um pouco mais contido em comparação aos trabalhos seguintes, mas esse é o charme da sua sonoridade.

“Let Me In” captura bem a transição que o rock‘n’roll americano vivia naquele momento, enquanto “It’s No Secret” destaca a habilidade de Marty Balin como vocalista e criador de melodias cativantes. Outro grande momento do disco é “Come Up the Years”, com sua harmonia incrível. Grande disco de estreia.

“Surrealistic Pillow” (1967)

 

Muitos são os motivos para este trabalho ser considerado o ponto alto do Jefferson Airplane. A cena de São Francisco estava ainda mais efervescente, as composições eram mais coesas, o então novo baterista Spencer Dryden era mais adequado à sonoridade dos demais músicos e a entrada de Grace Slick de fato transformou o grupo em algo maior.

O disco é excelente de ponta a ponta e não é exagero afirmar que o resultado final é um dos melhores da história do rock. Basta escutar o início de “She Has Funny Cars” e se entregar ao repertório, que vai da sutileza acústica de “How Do You Feel” e “Comin’ Back To Me”, às mais roqueiras “1/3 of a Mile in 10 Seconds” e o hit “Somebody to Love”, que chegou a entrar no Top 10 das rádios. Tem também “Plastic Fantastic Lover”, com participação de Jerry Garcia, do The Grateful Dead, no violão, e a obra-prima “White Rabbit”, onde a banda – sobretudo Grace – alcança um resultado que sobreviveu ao tempo.

“Surrealistic Pillow” foi um grande sucesso, vendendo mais de um milhão de cópias na época do lançamento e transformando o Jefferson Airplane numa sensação nos EUA. Referência de um dos períodos mais prolíferos da música Pop. Perfeito.

“After Bathing at Baxter’s” (1967)

 

Quando se fala de alternative rock é fácil vir em mente grupos de outras épocas pós era hippie. Mas por que não Jefferson Airplane? Contradizendo ao título do álbum anterior, “After Bathing at Baxter’s” é mais surrealista e pode ser tido como exemplo de como um produto de sucesso pode se transformar em algo mais difícil de digerir, no bom sentido.

Tirando “Martha”, que de certa forma repete a fórmula dos dois primeiros, este LP é muito mais agressivo que os anteriores e é mais próximo de como soavam nos palcos, talvez por isso seja o favorito de muita gente que curte a banda. E desta vez está escancarada nas músicas a influência do LSD sobre a banda, basta ouvir “Two Heads” ou a muito bem construída “Won’t You Try/Saturday Afternoon”, que divide com “The Ballad of You & Me & Pooneil” o posto de melhor faixa do álbum.

Outro ponto a favor é o baixo de Jack Casady, que se destaca ao longo das canções e culmina na “Watch Her Ride”, um dos singles escolhidos para promover o disco. Tem umas doideiras que muita gente desacostumada com sons psicodélicos julgará pura bobagem, como a colagem “A Small Package of Value Will Come to You, Shortly” e o improviso “Spare Chaynge”, mas em “Baxter’s” o Airplane definitivamente está mais solto.

“Crown of Creation” (1968)

 

“A faixa-título, “Crown of Creation”, é uma ótima porta de entrada para quem nunca ouviu o Jefferson Airplane, trazendo riffs marcantes e harmonias vocais que exemplificam bem o som da banda.

“The House at Pooneil Corners” se destaca com uma atmosfera furiosa e densa, refletindo a tensão política e social da época, enquanto, por outro lado, há faixas de arranjo mais contido, como “Lather”, uma das composições mais introspectivas de Grace Slick – que ainda surpreende com um solo de nariz – e a bela balada “Triad”, composta por David Crosby, cuja letra aborda um poliamor ousado para os padrões da época.

“Greasy Heart” é daquelas músicas que conquistam já na primeira audição, sem firulas. O álbum também tem seus momentos de excêntricidade, como “Would You Like a Snack” e “The Saga of Sydney Spacepig”, uma colagem sonora que reforça o lado mais experimental do grupo. No geral, “Crown of Creation” segue a linha de “Baxter’s”, embora com um tom um pouco menos caleidoscópico e uma abordagem mais coesa.

“Volunteers” (1969)

 

A essa altura o Airplane havia alcançado o topo da maturidade, e ao mesmo tempo iniciara o processo de auto-destruição. Jorma Kaukonen e Jack Casady já tinham começado a tocar paralelamente com o Hot Tuna, Marty Balin há tempos não contribuía tanto nas composições e Spencer Dryden já estava de saída pra dar lugar a Joey Covington. Apesar do clima tempestuoso, a banda lançou um dos seus trabalhos mais aclamados pela crítica e público.

Dá vontade de escutá-lo novamente assim que termina. “We Can Be Together” é um hino pacifista que para alguns pode parecer meio datado, mas a melodia arrebatadora fala mais alto. “Wooden Ships” é especial por ser de longe o momento mais emotivo da carreira do Jefferson Airplane. Outras faixas, como “Eskimo Blue Day” e “The Farm” mantém o ouvinte satisfeito, mas o ponto alto é a faixa-título. Escrita por Balin, “Volunteers” é dois minutos de um rock direto e que curiosamente tem como base praticamente o mesmo riff de “We Can Be Together”, uma espécie de auto-homenagem.

A banda soa mais habilidosa do que em qualquer outro disco anterior a esse, e a guitarra de Jorma Kaukonen tem presença decisiva em praticamente todas as faixas.

Depois do auge

 

O Airplane começaria a se desmantelar em 1970, a começar pela saída de Marty Balin, o fundador de fato do grupo, o que fez com que o projeto perdesse muito do carisma. Logo depois entrou o violinista Papa John Creach e Dryden foi substituído por Joey Covington na bateria.

Pelo próprio selo da banda, a Grunt Records, lançariam “Bark” (1971) e “Long John Silver” (1972), que também são bons discos, mas aí a banda já não era mais a mesma. Nesse período houveram alguns lançamentos da carreira solo de Grace Slick e de Paul Kantner, como também o florescimento do Hot Tuna, grupo liderado por Kaukonen e Casady que já vinha lançando coisas desde 1969.

No início de 1974 foi anunciado oficialmente o fim do Jefferson Airplane, o que pouco tempo depois viria a dar lugar para o Jefferson Starship, que apesar de contar com muitos dos membros do Airplane, definitivamente não se trata da mesma coisa. O Starship adotou uma sonoridade mais acessível e progressiva em seus primeiros álbuns, como o “Red Octopus” (1975), antes de partir para um som mais comercial nos anos 1980.

Em 1989 houve uma reunião do Jefferson Airplane com a formação clássica e o lançamento de um álbum homônimo, o qual jamais deveria ter sido lançado. É aquele tipo de coisa que não dá para entender por que levaram a ideia tão adiante.

Vale dizer também que, se em estúdio o Jefferson Airplane já era inovador, ao vivo a banda transcendia, entregando performances intensas, cheias de improvisos e energia bruta. Registros como “Bless Its Pointed Little Head” (1969) e “Thirty Seconds Over Winterland” (1973) capturam a banda em sua essência mais livre e experimental. Vale muito a pena escutar esses também.

Para conhecer melhor a banda, assista ao documentário “Fly Jefferson Airplane”, com entrevistas, apresentações de TV e clipes, além da leitura da biografia escrita por Jeff Tamarkin chamada “Got a Revolution! – The Turbulent Flight of Jefferson Airplane”.