Atualizado em: maio 19, 2025 às 6:59 am
Por Victor José
L7 foi talvez a banda inteiramente feminina mais importante dos anos 1990. Isso, por si só, já torna o grupo muito interessante.
Na primeira metade de 1992, no auge da onda “Nevermind”, Donita Sparks (vocal e guitarra), Suzi Gardner (vocal e guitarra), Jennifer Finch (baixo e vocais) e Demetra Plakas (bateria e vocais) apresentaram ao cenário grunge seu terceiro álbum e mais emblemático: “Bricks Are Heavy”.
Embora a banda californiana tenha como raízes básicas o punk e o hardcore, neste disco elas colocam a estrutura do heavy metal na linha de frente, o que era de praxe naquela fase do rock. Dessa forma, o L7 conseguiu se aproximar da linguagem de contemporâneos como Soundgarden, Mudhoney e Nirvana, conseguindo um som pesado e ao mesmo tempo “radio friendly”.
Punk na alma, grunge na forma
Um dos aspectos que certamente fez a diferença no resultado final foi a escolha de Butch Vig (Nirvana, Smashing Pumpkins, Sonic Youth e Garbage) como produtor, que além de saber como fazer uma banda soar como um grunge mainstream sem perder a compostura, o hype em torno dele estava bastante alto.
Fica bem evidente a mão de Vig em “Pretend We’re Dead”, o hit do LP. Uma produção caprichada, que empurra a potência da banda até um limite ainda não explorado por elas, com ênfase nas melodias e nos riffs mais cadenciados. Acabou se tornando um dos maiores clássicos de uma época.
Mas é claro que o tradicional ar punk do L7 — ainda que haja guitarras com timbre de heavy metal — ganha corpo ao longo de “Bricks Are Heavy”, como se percebe nas faixas “Slide”, “Mr Integrity”, “Shitlist” — presente na trilha sonora do filme “Natural Born Killers” (1994), de Oliver Stone — e na ótima “Everglade”, esta última sendo outro single de destaque do disco.
Por outro lado, há faixas que se rendem à atmosfera do metal com muita personalidade e sem medo de soar acessível. A antibelicista “Wargasm” é um exemplo. “Diet Pill” ironiza as pressões sobre o corpo feminino com peso e inteligência. Já “Monster” tem cara de garagem e espírito de arena, tanto que se tornou um dos grandes clássicos da banda.
Mesmo com um tempero radiofônico permeando, o disco preserva sua crueza e atitude, e isso é um dos seus maiores trunfos.
Aliás, esse trabalho tem toda uma tracklist convidativa: cheia de melodia, riffs pegajosos, ritmos básicos e excelente qualidade. Na cena grunge, enquanto um monte de marmanjo adorava choramingar suas desgraças — o que não deixa de ser um recurso interessante —, o L7 decidiu trilhar um caminho mais coeso, direto, sem um pingo de frescura.
Depois de todo esse tempo, ao ouvir hoje “Bricks Are Heavy” e todas as suas ótimas 11 faixas, percebo como é difícil pensar em algum disco desse período que seja tão redondo como este. É certamente um dos melhores momentos do rock dos anos 1990, que mesmo
não sendo pioneiro em algo específico mostrou o rock de uma perspectiva feminina. E isso se mostrava ainda mais intenso no palco, com shows cheios de energia, numa cena inegavelmente predominante de homens.
Atitude e ruptura
A banda, feminista atuante, sempre deixou clara sua posição sobre o assunto e fazia questão de ressaltar isso em algumas letras e ações. Por exemplo, o grupo foi cofundador do movimento Rock for Choice em 1991, junto com a Feminist Majority Foundation. A iniciativa organizava shows com bandas como Nirvana, Rage Against the Machine, Pearl Jam e Hole em apoio ao direito ao aborto nos EUA.
Essa definitivamente não é uma banda “quadrada”, como sugere a gíria que dá título à banda. O visual do L7 — jeans rasgado, camisetas suadas, sem maquiagem e sem concessões ao “feminino domesticado” — era em si uma ruptura. Em um tempo em que o grunge ainda era dominado por figuras masculinas, essa postura ajudava a desprogramar estereótipos sobre o que “uma banda de mulheres” devia ser.
“Bricks Are Heavy” foi um sucesso de crítica e público, alcançando o número 160 no Billboard 200, algo extremamente louvável para uma banda vinda do underground. Fizeram uma extensa turnê mundial e vieram parar aqui no Brasil no início de 1993, no fatídico Hollywood Rock. Abriram para o Nirvana com um setlist maravilhoso e ainda no fim tiveram a ousadia de tirar a roupa enquanto o show estava sendo transmitido ao vivo pela Rede Globo.
Depois disso o L7 experimentou um pouco da fama e continuou lançando álbuns até 1999. O grupo parou em 2000 e voltou a se apresentar somente em 2014, com a formação clássica. Hoje o L7 é reverenciado como um ícone importante da força da mulher na música, sendo que poucas vezes se viu no rock um grupo feminino com tanta estatura.
Embora não tão óbvio quanto alguns de seus contemporâneos, “Bricks Are Heavy” é um disco obrigatório para quem quer entender toda aquela época.