Atualizado em: março 20, 2025 às 1:19 pm
Por Victor José
Quando era moleque, passei por aquela fase clássica de só querer escutar as coisas mais antigas do rock, ignorando quase tudo que era contemporâneo. Felizmente, isso foi mudando aos poucos – e devo agradecer aos grupos do início dos anos 2000 por essa virada na minha cabeça.
Todo mundo já sabia que, naquela época, a música pop estava tão dissecada que o termo revival virou a palavra de ordem de toda uma geração. Isso pode parecer pobre, mas ao mesmo tempo é absolutamente fantástico. Como diria Chacrinha, parafraseando Lavoisier à sua maneira: “Nada se cria, tudo se copia”.
E é exatamente aí que entra o primeiro álbum do Yeah Yeah Yeahs, essa mistura de punk nova-iorquino, hard rock, new wave e um toque de eletrônico com noise.
Sem precisar pensar duas vezes, dá para cravar: Fever To Tell, de 2003, é um dos discos mais marcantes da sua década. Ele pega todos os clichês do rock ‘n’ roll e os recicla com uma personalidade feroz e singular. É sujo, indecente, bruto, alto, cheio de arestas e, ao mesmo tempo, dançante.
Karen O, com sua presença magnética e inconfundível, canta com uma sensualidade crua e um carisma arrebatador. Esse álbum não só consolidou seu estilo vocal único, como também a transformou em um ícone que transcendeu a música, influenciando a moda, a performance e toda uma geração de artistas alternativos.
A guitarra de Nick Zinner, que também assume o papel de um baixo ausente, é uma pancada seca, como manda o bom punk, e vem carregada de noise. O resultado é uma maçaroca sonora meio disforme, mas que funciona com um charme torto e elétrico. Sem falar das palhetadas para baixo no estilo “Last Nite”, um truque explorado até a exaustão por praticamente todas as bandas dessa safra dos anos 2000 Brian Chase apresenta uma bateria quase livre, desviando-se das levadas óbvias e trazendo um senso de imprevisibilidade que faz dele o equilíbrio perfeito entre a explosão de Karen O e o caos de Zinner.
A produção ficou a cargo de David Andrew Sitek, membro da banda TV on the Radio, que trouxe uma abordagem experimental ao projeto. O álbum foi gravado no estúdio Headgear, no Brooklyn, escolhendo um ambiente que permitisse liberdade criativa e autenticidade. Naquela época, o local rapidamente se destacou na cena musical indie, tornando-se um ponto central para bandas inovadoras da região.
Após a gravação, o álbum foi mixado em Londres por Nick Zinner e o engenheiro de som Alan Moulder.
A sonoridade de Fever to Tell
Se tem uma coisa que esse álbum não permite, é o tédio. A energia explode desde a primeira faixa e mal dá espaço para respirar. Dava para tocar as sete primeiras músicas numa festa em 2003 e o estrago ainda seria o mesmo hoje. No fim das contas, “Fever To Tell” não promete nada além de um rock certeiro – e cumpre isso com perfeição.
Com aquela guitarra meio sintetizador, “Rich” traduz toda uma década de indie rock, sem grandes preocupações em soar maduro. Depois vem “Date With The Night”, que na verdade é um blues de pista de dança, pode notar. Quem hoje faz uma coisa dessas?
De tanta pilhação, as caóticas “Man” e “Tick” mal dão tempo de você digeri-las, mas nesse caso isso pareceu ser uma boa ideia. São exemplos contundentes da energia bruta e da estética crua que caracterizam o disco. Karen O canta como um frontman de banda dos anos 1970 em “Black Tongue” e intercala com um refrão cheio de gemidos falsos, que é algo recorrente nesse disco.
“Pin”, um dos singles mais marcantes do álbum, contrasta de forma interessante com a intensidade das faixas anteriores ao trazer uma melodia levemente melancólica, quase introspectiva. Já “Cold Light” desacelera o ritmo e adiciona um toque mais arrastado e lascivo, como se fosse feita para uma dança lenta em um ambiente esfumaçado e decadente.
A esquisita “No No No” faz as vezes de ponte entre essa parte mais festiva e o lado mais lapidado de Fever to Tell, isso porque logo em seguida vem a já clássica “Maps”, uma balada de primeira, onde tudo está no lugar certo, na medida certa e chega a emocionar.
Não tem como não rever os anos 2000 sem esbarrar em “Maps”. Ainda hoje essa é uma música forte, convincente, que se pode chamar de clássico.
Mesmo depois do auge com “Maps”, o YYY ainda tem fôlego para mais. “Y Control”, pulsante e certeira, mantém a energia lá em cima e se firma como outro grande acerto do
disco. Já “Modern Romance” desacelera tudo, trazendo um clima melancólico e minimalista que, de longe, lembra as melodias mais açucaradas dos também nova-iorquinos Velvet Underground.
O álbum reluta em se apagar, esticando-se até uma faixa escondida no final – que não muda o jogo, mas também não compromete.
O impacto e o legado do álbum
O álbum rendeu ao trio sua primeira indicação ao Grammy, colocou “Maps” entre as músicas mais icônicas da década e ajudou a consolidar o post-punk revival ao lado de nomes como The Strokes e The White Stripes. Além disso, o disco foi um sucesso de crítica, recebendo elogios por sua abordagem crua e visceral, e entrou em diversas listas de “Melhores Álbuns dos Anos 2000”, garantindo seu lugar na história do rock alternativo.
Mais do que um debut explosivo, Fever To Tell pavimentou o caminho para Karen O se tornar uma das frontwomen mais marcantes da sua geração e para a banda se manter relevante por décadas.
No fim das contas, Fever To Tell é um retrato perfeito daquela fase da minha adolescência.
Com o tempo, passei a olhar para essa época com mais carinho e a reconhecer que, mesmo sem o brilho mítico de décadas passadas, ela teve seus grandes momentos. O
Yeah Yeah Yeahs estreou com o pé direito, provando que é possível lavar, enxaguar, secar e passar o rock sem medo de encolher.