Atualizado em: junho 6, 2025 às 7:39 am
Por Victor José
Após uma trinca de álbuns lendários e obrigatórios da música brasileira (“Cabeça Dinossauro”, “Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas” e “Õ Blesq Blom”), os Titãs estavam naquela posição que toda banda almeja: não precisavam mais provar o seu valor.
“Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” veio em uma época em que a política do Brasil, pra variar, ia muito mal. Estamos falando de 1991, ano da “Era Collor”: falta de perspectiva, desemprego, hiperinflação, confisco das poupanças e aquela sensação de que todo mundo foi roubado e feito de idiota. Tudo isso deve ter mexido demais a cabeça da banda, que não economizou na crueza bem dosada e lançou um disco bastante imbuído do espírito do “foda-se”.
Um disco que não pede desculpas
Bem, a verdade é que nem todo mundo curte esse álbum. Muitos membros da banda afirmam esse ser um dos trabalhos mais confusos, mas tem muita gente que pensa justamente o contrário. A época pedia e precisava disso. Obviamente, todos esperavam mais um trabalho coeso como “Õ Blesq Blom”, mas Titãs (naqueles tempos) não era uma banda muito adepta ao lugar comum, então nada de repetir fórmulas por conta do sucesso comercial.
Após o lançamento de “Õ Blesq Blom”, eles tinham conquistado um lugar improvável, que era de uma banda de rock nacional dos anos 1980 que caminhava firme com suas convicções estéticas a ponto de conquistar um lugar de respeito até mesmo entre a nata da MPB. A mistura de colagens sonoras, samples, sons orgânicos, sintéticos e ecletismo de gêneros de “Õ Blesq Blom” meio que foi uma espécie de carta branca para o que poderia vir depois.
Embora completamente outra proposta, aconteceu uma guinada sonora similar com a Legião Urbana, que em 1989 lançou o sucesso absoluto “As Quatro Estações” e depois veio com o soturno e quase progressivo “V”, também de 1991. Renato Russo disse que viver essa época no Brasil era como “voltar aos anos 1970”, e traduzir essa sensação de desencanto com a abertura da democracia já cheia de problemas levou a esse resultado. Para os Titãs, o negócio foi buscar um trabalho que soasse muito como um rock de garagem, visceral e com temas provocativos.
Sem Liminha, sem filtros
Há uma coisa muito importante em “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” logo de cara: Liminha não é o produtor. Essa parceria brilhante, que rendeu a fase de ouro da banda, se desfez nesse período, voltando somente no lendário “Acústico MTV”, de 1997. Sendo assim o grupo arriscou na produção e gravou numa casa alugada em Granja Viana, em São Paulo.
Na obra há uma unidade forte. Pela primeira vez o grupo inteiro assina todas as 15 faixas. Além disso arranjaram em conjunto, frisando a força das guitarras de Toni Bellotto e Marcelo Fromer.
Em “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” há letras escrachadas como ”Clitóris”, “Saia de Mim” e “Isso Para Mim É Perfume”, essa última com um irreconhecível Nando Reis cantando versos como “amor, eu quero ver você cagar”. Arnaldo Antunes brilha no escatológico single “Saia de Mim”, um dos pontos altos do disco e faixa necessária para entender a variedade de coisas que os Titãs evocavam nas músicas, se compará-la a sucessos como “Sonífera Ilha” ou “Baby Índio”.
Também há aquela brincadeira com palavras que é a cara deles, como no caso de “Obrigado”, “Uma Coisa de Cada Vez” e “Não É Por Não Falar”. Também vale muito o destaque das performances de Branco Mello, que achou no disco um tom certeiro, como pode ser conferido em “Filantrópico”, “Eu Não Sei Fazer Música” e “Flat-Cemitério-Apartamento”.
A respeito do som, dá para dizer que você pode esperar uma música pesada, carregada de guitarras sujas, um rock sem muita lapidação e que combina muito bem com um dia de revolta. Sim, esse disco é pra ser escutado alto, bem alto. É uma espécie de “Titanomaquia” (seu sucessor) tosco no melhor sentido. O teor das letras às vezes chega a ser meio juvenil e jocoso.
Último suspiro da formação clássica
É óbvio que a mídia caiu em cima e criticou bastante o disco, que por fim apresentou vendas modestas. Mas acho que até eles mesmos sabiam que seria assim, foi uma afirmação estética. O que faz desse trabalho ainda mais especial.
Vale muito a experiência de ouvi-lo, justamente porque este é o último álbum com a formação clássica. Isso porque Arnaldo Antunes pularia fora em 1992, para a tristeza de muita gente que, como eu, ama os Titãs desse período.
Talvez você deteste, talvez ame, não sei. O que eu sei é que esse disco é uma obscuridade que merece uma chance. Quem teria coragem de lançar isso hoje?