Atualizado em: fevereiro 12, 2025 às 9:53 am

Por Guilherme Costa

No apagar das luzes de 2024, mais precisamente no dia 9 de dezembro, o cantor e compositor carioca Guga Bruno lançou o seu sétimo disco de estúdio, sugestivamente intitulado “7”. Guga alegou que este é o seu melhor trabalho, baseado no “conjunto de canções”, “boas ideias musicais”, “arranjos” e “certas liberdades formais”. Bom, com sete discos solo e diversos singles e EPs, eu não ousaria contestar o tijucano a respeito da sua obra.

Mas o fato é que o álbum, mesmo sendo mais denso e rock and roll em relação aos seus sucessores, segue uma linha de composição arrojada e perspicaz perceptível em sua discografia. Ele também é um grande fã dos gigantes da MPB e, como músico influenciado, faz questão de homenagear a sua obra da melhor forma possível: mergulhando nela.

“é bastante desafiador, mergulhar na obra do artista, se embriagar dela e criar a partir disso, deixando a influencia totalmente aparente, sem disfarces”

A propósito, Guga Bruno já é “veio de guerra”, tendo participado de bandas, como Lasciva Lula, no início dos anos 2000, integrando atualmente o Melvin & Os Inoxidáveis, banda no qual ele é guitarrista. Para além dos seus trabalhos como músico, ele também trabalha com trilhas sonoras para o cinema (aliás, ele foi premiado pelas trilhas sonoras dos filmes Kasa Branca e Quando vira a esquina) e fotografia.

E ele compartilhou parte da sua trajetória, numa conversa via WhatsApp, para o primeiro Um Outro Lado Entrevista de 2025.

Começando pelos acontecimentos mais recentes. Você foi premiado pelas trilhas sonoras do filme Kasa Branca e do documentário Quando Vir a Esquina. Para além da felicidade da conquista, como você enxerga esses êxitos enquanto músico?

É uma coisa muito grande, que sinceramente nem nos meus sonhos mais criativos eu imaginei uma coisa dessas . Tô na música há muito tempo, mas só desde a pandemia que comecei a fazer música para audiovisual em parceria com o Fernando Aranha, então sou relativamente novo no meio . Na verdade, desde 2007 eu faço, fiz alguns curtas, vídeos institucionais, mas coisas muito pontuais, para amigos. Então essa virada aconteceu mesmo em 2020, quando o Aranha me chamou pra fazer música junto. E tem dado certo!

E como você vê e sente a diferença entre o pensamento/ preparação para compor uma trilha para um filme/doc e para um disco?

É bem diferente mesmo. Primeiro o fato de ser por encomenda, né ?! Num disco, é pra mim, eu decido tudo, faço do jeito que eu quero. Pra filme, tem esse primeiro filtro da parceria, esse processo de criar junto, definir conceitos, e tem o olhar do diretor(a), acho que é um processo menos egoico porque a música tem que atender ao filme, tem que funcionar na cena. Então não dá pra se apegar a uma ideia. Se ela não encaixar na concepção artística da direção, tem que repensar, refazer o caminho, entender o que não funcionou e consertar. E muitas vezes não tem conserto, simplesmente a música não entra e tudo bem. Eu tenho muito claro que a música é do filme. E tem também o lance de compor assistindo à cena, né ?! Isso muda bastante o processo de criação.

E houve alguma situação desse tipo: ter de refazer algumas das trilhas criadas durante a pós produção dos filmes?

Nada muito radical, mas eventualmente aconteceu sim, até porque no início sempre precisa de um tempo de entendimento da obra, de se aprofundar, e pra isso o diálogo com os diretores é fundamental. Olhando pra trás, puxando da memória, acho até que a gente errou um pouco. A relação com os diretores contribuiu bastante pra encontrar a direção certa. Tanto o Luciano Vidigal (Kasa Branca) quanto a Chris Alcazar (Quando vira a esquina) foram muito generosos e receptivos durante todo o processo. Em ambos os filmes, a troca foi muito enriquecedora, eles munindo a gente de informações e conceitos e referências. A gente só chegou no resultado que chegou porque teve uma participação ativa dos dois nessa troca e, claro, na visão do filme como um todo . São dois filmes muito bonitos e a gente só queria estar a altura deles .

E como agora você faz parte do audiovisual brasileiro, como você olha para o sucesso do filme “Ainda Estou Aqui”. Pensa que pode ser um ponto de virada para esse setor, no que diz respeito a investimentos, segurança para projetos que não sejam mainstream e para um interesse maior do público no geral? Ou há uma perspectiva semelhante, por exemplo, ao sucesso do Sepultura não impulsionar o fã brasileiro a consumir o metal nacional, deixando de criar um mercado próprio?

Fui ver “Ainda estou aqui” na sexta passada, muito bonito o filme. Fiz questão de ver no cinema, e a sessão no Shopping Tijuca estava lotada. Isso é muita coisa porque poderia ficar restrito a um nicho, mas não, o filme tá levando pessoas diversas pro cinema. É muito bacana tudo isso. Não faço ideia do impacto que vai ter, mas acho que os prêmios e indicações fazem as pessoas olharem de outra forma pro trabalho, e talvez (eu torço pelo menos) pro cinema nacional como um todo. Tipo “sim, aqui também fazem bons filmes, tecnicamente bons, com boas histórias etc”. Sobre segurança artística, acho mais complicado porque não é barato fazer um filme, é um setor que precisa de leis e políticas de incentivo, então acaba ficando a mercê do governo da vez. Ao mesmo tempo que milhões de espectadores estão no cinema, segue-se uma campanha difamatória tanto do filme (coisa de comunista etc) quanto da cultura em geral, muita gente falando que governo tem que tapar buraco de rua ao invés de produzir filme, esse tipo de coisa. Mas não se fala da quantidade de empregos diretos e indiretos que são gerados com um filme, um show, por exemplo.

Indo para a música. Aqui é muito comum ouvir reclamações sobre o tratamento da produção de megas festivais com os artistas brasileiros, e em 2019 você participou do Festival Nos Alive, em Portugal. Qual foi o tratamento que você recebeu da produção e como foi também essa turnê pela Europa?

Foi ótimo, não tenho do que reclamar não. Tinha uma geladeira de cerveja e uma mesa com pasteis de nata no camarim, pra todas as bandas. Fizemos questão de acabar com tudo (risos). Mas falando sério: no NOS Alive, não sei se dá pra usar como parâmetro porque o show foi no Coreto, um espaço destinado a artistas pequenos. E eu estava lá por ter vencido um concurso promovido pelo Departamento de Turismo de Portugal, então era uma situação bem atípica. A gente estava passando o som e a secretária de turismo veio na beira do palco falar comigo. Então não seria um tratamento convencional mesmo. Tocar no NOS Alive foi incrível, foi dessas experiências inesquecíveis mesmo. Toquei na mesma noite do Smashing Pumpkins e Thom Yorke!!!

Não sei nem como descrever a sensação. E a turnê foi bacana também. Tenho sempre que agradecer ao Melvin, ao Rodrigo Barba e ao Marcelão de Sá, por terem topado fazer essa viagem comigo. Tocamos em Bilbao, Zaragoza, Barcelona e fechamos em Lisboa no festival e foi tudo sensacional.

Você integrou a banda Lasciva Lula, e em 2023 houve o lançamento da música “Uma Casa No Vale”, numa parceria com os seus antigos companheiros (além do então vocalista Felipe Schuery). Como surgiu a ideia dessa parceria e como foi a sensação de gravar um material novo com antigos companheiros de batalha?

O Felipe tem um jeito muito particular de escrever e eu sempre admirei muito isso, desde antes de fazer parte da Lasciva Lula. Quando entrei na banda, em 2003, pra mim, um dos elementos mais marcantes era justamente a forma dele de compor. A gente tentou fazer coisa juntos na época e nunca rolou, nossas ideias nunca encaixaram. A vida seguiu, a banda acabou em 2007, ele foi morar fora em 2009, e mantivemos (e ainda mantemos) contato. No final de 2017, teve um festão no sítio de uns amigos em Bananal-SP, ele viu fotos e vídeos do evento e ficou saudoso. Me mandou e-mail uns dias depois, com o esboço da música, e propondo a parceria. Ele encerrou o e-mail com a frase: é a canção que enfim faremos junto!

Depois de muitos anos, resolvemos gravá-la. Como é uma música saudosa, falando sobre passagem do tempo e tal, achamos que faria todo sentido chamar o Jamil (baixo) e o Marcello (bateria) pra gravar com a gente. Foi legal nos juntarmos novamente (mesmo que de forma virtual) , a Lasciva Lula tem um lugar especial no meu coração, então foi uma forma da gente lembrar de bons momentos que passamos juntos.

Falando sobre a sua carreira solo conta com trabalhos homenageando grandes nomes da MPB, como Belchior e o Tom Zé. Há algum outro artista que você pense em fazer esse tipo de homenagem?

Sim, a ideia é completar essa trilogia de artistas nacionais que me impactaram profundamente. E não é só uma cópia barata, uma tentativa de emular o estilo do artista , eu sinceramente considero uma forma genuína e original de homenagem. E é bastante desafiador, mergulhar na obra do artista , se embriagar dela e criar a partir disso , deixando a influência totalmente aparente, sem disfarces. Inclusive , pretendo começar a gravar em breve. Só não pretendo dar spoiler (risos).

Aah, que pena haha!

Eu conheci o seu trabalho em 2022, quando você lançou o disco “A Falsológica Batalha Entre Mu e o Povo Agônico”. Em que você se inspirou para a criação do nome e do conceito do álbum?

Esse disco é um quebra-cabeça que eu não tinha nem a imagem de referência nem as peças. É uma colagem de fragmentos de ideias que fui acumulando pra depois dar algum sentido lógico. Eu queria fazer um disco que fosse diferente de tudo o que já tinha feito, incluindo o próprio processo criativo. Então comecei criando palavras a partir de trocadilhos e junções, paralelamente fui criando riffs de guitarra a partir da decomposição de batidas e ciclos de samba. O nome surgiu naquele momento antes de pegar no sono, onde as ideias ficam meio embaralhadas e a gente já mistura sonho e realidade. Essas partes foram caminhando livremente, sem qualquer tentativa de ordenamento ou limitação, não queria domar o disco nessa etapa. Depois de um tempo, eu tinha o nome, um gênero musical e um monte de palavras e versos aleatórios. Foi quando comecei a criar a história do Ágonos, um anti-herói de bordas arredondadas. Olhando de fora, dá pra enxergar uma coisa meio “Admirável mundo novo” no personagem e Tom Zé na parte musical. Mas tem muitas referências diretas e indiretas. E muita coisa ficou de fora. Então muito provavelmente vou fazer uma espécie de spin off deste disco (olha um spoiler aí haha).

Você comentou que o seu mais recente álbum “7” “foi fruto de cinco anos de muitas emoções e reviravoltas na trama da vida”. Nesse meio tempo você lançou um disco, um EP e alguns singles. Então como foi o processo de produção do seu novo álbum? Ele chegou a ficar engavetado enquanto você lançava outras obras?

Sim. Uma das grandes dificuldades de um artista independente é a velocidade da produção acompanhar a criação, você tá sempre atrasado. Mesmo gravando em casa, sozinho, tem muitos fatores externos que interferem demais no processo. Normalmente, os EP’s eu produzo rápido, estabeleço um prazo e componho e gravo tudo dentro do prazo. O “Cartas para Belchior” eu fiz em dois meses e meio, por exemplo. O “Casaco cinza”, em 40 dias. Mas o “7”, comecei a compor em 2021, e só comecei a gravar em dezembro de 2022, aí parei. Comecei a fazer faculdade de cinema logo em seguida e tive que empurrá-lo mais pra frente. É sempre assim, até que um dia eu enfio na cabeça “preciso terminar esse trabalho pra começar o próximo , aí fico meio obcecado e termino. A ideia original, era lançar dois álbuns ao mesmo tempo, mas não consegui e lancei só o “7”. E em geral, os álbuns demoram mais mesmo, é sempre mais de um ano e meio de produção.

Você disse em material promocional que o “7” “é busca e encontro, é tristeza e esperança”; e no álbum há músicas (“Socorro”, “Escapismos” e “Voltar pra casa” – a minha favorita do álbum, inclusive) que representam esses conflitos da vida. Quando você as compôs, foram em momentos diferentes, ou é basicamente faixas sobre a vida como ela é (e que isso significa acontecimentos ruins)?

Acho que as duas coisas. Há sim uma dureza nas letras, do tipo “a vida como ela é” mesmo, não quis relativizar ou disfarçar dores, elas fazem parte da vida. Mas nem tudo é sobre um fato específico, às vezes são reflexões ou questionamentos que surgem por causa da vida. “Voltar pra casa”, por exemplo, fiz no dia que a Jane morreu. Ela era uma pessoa muito querida, foi uma produtora muito presente na cena de rock do Rio nos anos 2000, era produtora da Lasciva Lula, do Canastra, Nervoso e Os Calmantes, Monstros do Ula Ula. A morte dela me pegou de jeito, mexeu muito comigo. Mas a música não é sobre ela especificamente, é sobre luto, sobre voltar pra casa depois do velório, sobre quem fica. Mas em geral as letras têm uma espécie de redenção, a frase final de “Socorro”, por exemplo. Isso também faz parte da vida.

E foi por essas questões que você o considera o melhor álbum da sua carreira?

Não rs. Acho que é um bom conjunto de canções, independente da temática. Acho que é um disco bastante coeso, artisticamente maduro, que tem boas soluções poéticas, apesar da crueza, boas ideias musicais, arranjos, certas liberdades formais. Uma música como “Fúria-flor” me enche de orgulho, por exemplo.

Questões, no aspecto de conseguir imprimir como você enxerga a vida na sua música.

Bom, de certa forma sim , é muito satisfatório quando você consegue traduzir uma ideia ou emoção e “materializar” isso. Então nesse aspecto, sim, mas não pela temática, acho que mais pelo amadurecimento como pessoa e como compositor .

Você também é guitarrista do Melvin & Os Inoxidáveis, e recentemente vocês lançaram alguns singles novos e anunciaram no Rio de Janeiro. Há planos para uma tour pelo Brasil e um sucessor do “Copacético”?

Nos Inoxidáveis eu fiquei só com a parte boa de estar numa banda, que é tocar haha! Melvin é um faz-tudo, toca, canta, compõe, produz, organiza tudo, planeja os próximos passos. Ele deixa a gente numa posição muito confortável, do tipo “não se preocupem com nada , apenas toquem”, o que é muito bom e na verdade viabiliza a manutenção de se ter uma banda hoje em dia. Então, até onde eu sei, não há planos para um disco próximo . Sobre a turnê, não há planos , mas estamos sempre abertos a convites. Por enquanto estamos tocando por aqui: nesta quinta, dia 13/02 , a gente toca no Sérgio Porto, um dos teatros mais legais do Rio. Quem estiver pela área, apareça!

O Um Outro Lado da Música tem um quadro que se chama “Um Outro Lado Indica”. Quero saber de você, qual artista/ banda você indica para mim e para quem está lendo a entrevista!

Vou indicar alguém que sai totalmente do rock: Victor Mus. É um cantor e compositor aqui do Rio, toca MPB, tem umas músicas lindas, além de ser gente finíssima. Conheci o trabalho dele num evento, em 2020, pré-pandemia. Em 2023, chamei ele pra participar do coro da trilha sonora do “Kasa Branca”.

Muito bom. Vou ouvir!

Novamente, Guga, muito obrigado por ter aceitado o convite e pelas. E espero que tenha gostado da entrevista!

Eu que agradeço, foi um prazer enorme trocar essa ideia contigo. Isso é uma coisa muito difícil hoje em dia, um espaço como esse, poder conversar com alguém realmente interessado no teu trabalho, é uma oportunidade rara mesmo, que precisa ser valorizada!