Atualizado em: junho 24, 2024 às 7:32 pm
Por Guilherme Costa
O Madame Spectrum é o projeto do músico e produtor mineiro Carlos Augusto, cujo mais recente álbum de estúdio (“33”) foi lançado no último dia 7 de junho, em todas as plataformas digitais, de forma independente. E é assim que basicamente tem sido ao longo da sua carreira, iniciada em 2014 com o lançamento do disco “Deflexão”.
Nesses dez anos entre o disco de estreia e o mais recente lançamento, o Madame Spectrum mudou a sonoridade deixando o foco das guitarras para dar lugar a programação dos sintetizadores. Os dois últimos discos de estúdio foram lançados em 2020, durante a pandemia, foram álbuns com uma atmosfera mais densa (como quase tudo que surgiu durante essa época). Quatro anos depois, a atmosfera densa deu lugar à contemplação a vida e a vida da sua filha, Cecília, personagem central do álbum, no sétimo disco de estúdio “33”.
Com os perfis nas redes sociais mais low profile, há um certo tom místico no projeto. E na estreia do Um Outro Lado Entrevista, Carlos Augusto fala sobre o conceito do Madame, a ligação com o número sete, a importância da sua filha no último lançamento e muito mais.
Eu começo então pela sua introdução. Como e quando surgiu o projeto e o porquê do nome Madame Spectrum?
Bom, a Madame Spectrum é uma one man band que foi concebida em 2013 por mim, Carlos Augusto, na Grande BH. Sou multi instrumentista, compositor e letrista. O intuito inicialmente era extravasar a necessidade constante de me expressar através da música autoral, após alguns anos tocando covers com bandas locais. Um aspecto extremamente importante da minha discografia é a intenção de sempre produzir uma experiência conceitual. O material disponível do projeto foi produzido em sua totalidade em meu home studio, num cenário que acabou se tornando a realidade de muitas bandas nos últimos anos, principalmente com o advento da pandemia.
Originalmente chamada Madame Spectrum & O Eco, mas acabei encurtando o nome para fins de divulgação. A ideia do nome surgiu como uma referência a uma sensação, uma entidade, que estava sempre presente durante as composições e acabava influenciando a sonoridade das músicas: ela seria a Madame. O Spectrum veio da ideia de visualizar a música (o espectro sonoro dos arquivos na DAW). O Eco representava uma camada ilusória, mas ainda envolvida com o som que era produzido.
Qual a relação com o número 7? É alguma relação com essa “sensação/ entidade”?
Eu sempre tive uma conexão muito forte com o número 7, desde que me lembro. Talvez tenha relação com meu aniversário ser no dia 7, mas desde criança tinha uma fascinação por ele.
Quando comecei a produzir o material para o primeiro álbum, Deflexão, lá em 2013, me vi diante do dilema de uma tracklist ideal para contar o arco que havia concebido. Acabou que o número 7 se provou a quantidade perfeita, com espaço para uma introdução, um ponto de inflexão/clímax e por último espaço para concluir a jornada. Desde então, meus álbuns seguem essa linha e geralmente a 4ª faixa acaba servindo como esse ponto de inflexão/mudança de direção.
“33” é o seu sétimo disco de estúdio. Pensando nessa simbologia que você tem com o número 7, ele é o mais especial de todos?
Sem sombra de dúvidas. Existe aquela máxima de que nosso trabalho mais recente é sempre o mais especial ou aquele que nos dá mais orgulho. 33 é um álbum que concebi como forma de me conectar novamente com a música (após um hiato de 4 anos), me conectar com minha filha (que acabou de completar 2 anos) e explorar sonoridades que ainda não havia visitado anteriormente.
Além disso, o título 33 faz referência a minha idade. O lançamento, dia 07/06, ocorreu no dia do meu aniversário. Então sim, ele ocupa um lugar muito especial para mim.
Por falar no “33”, ele teve a prévia liberada no Bandcamp. Essa forma de divulgação teve um efeito diferente do que uma liberação no Spotify ou Deezer?
Eu já testei abordagens diferentes ao lançar um novo álbum. Já lancei singles em “The Ocean Around”, lançamento sem prévio aviso em “The Penalty of Projection”… Enfim. Com “33”, optei por liberar um single (INSPIRA) via código para download no bandcamp. Depois disso, fiz uma audição do álbum completo para alguns amigos e logo após isso liberei o trabalho completo lá, pois ainda sou daquele tipo de ouvinte que preza muito por ouvir um álbum do início ao fim. O álbum teve alguma rotação no Bandcamp, inclusive alguns fãs adicionaram à wishlist deles, além de outros que optaram por dar suporte financeiramente por lá.
Na descrição do disco “33” no Bandcamp, você menciona que o álbum foi composto para sua filha (como se fosse uma carta). O conceito do álbum é algo como um “antes e depois” do nascimento da Cecília ou uma reflexão sobre a paternidade? E como você definiria a influência dela neste álbum?
Certamente existe um certo aspecto de “antes e depois” no álbum, assim como é o fenômeno da paternidade: existe uma vida antes e outra depois. Curiosamente, já ouvi de alguns ouvintes essa impressão por parte deles. Então sinto que consegui transportar para as músicas essa intenção, o que me deixa de certa maneira, realizado como artista.
Fiz o possível para integrar Cecília em todas as canções, seja conversando diretamente COM ela, como em CUIDADO, TE AMO, mas também falando PARA ela (como em INSPIRA, CEDO). E não falo apenas do contexto lírico do “33”, mas musicalmente também. Na faixa CALOS, SEM AR existe um drum loop que ela concebeu brincando com o bandlab no tablet. O piano que guia a faixa CUIDADO, TE AMO também é fruto dela se divertindo com os instrumentos que tenho no home studio. Claro que no processo de produção do álbum, eu revisei, editei e retrabalhei esses sons, mas em sua essência, eles são criações dela
E a Cecília, inclusive, é personagem central da faixa “Cuidado, Te Amo”. Como que a faixa foi criada? Foi a partir de alguma gravação aleatória? E a partir das falas dela, como você pensou nas texturas da música?
Num sábado pela manhã, antes dela acordar, preparei o home studio para poder capturar ela brincando comigo. Depois disso, gravei ela se divertindo por cerca de 1 hora. Ainda não existia a música, apenas o conceito na minha mente. No mesmo dia, deixei ela brincando com o controlador MIDI e ela acabou soltando o que seria a base da melodia de CUIDADO, TE AMO.
Depois de capturar esses 2 elementos que serviriam como a fundação da música, lá se foram horas de edição para recortar uma versão que fizesse justiça ao que havia gravado naquela manhã. Com a canção tomando forma, as camadas de textura foram sendo criadas para complementar o que foi registrado e contar a história final.
Pulando para os antecessores do “33”, em 2020 você lançou os discos “Isolation” e “Violenty Kid”. No que eles se diferem, e como a pandemia influenciou na composição dos álbuns?
A pandemia foi um período obscuro da nossa história recente. Entre perdas, confusão e a nossa eterna capacidade de adaptação, me vi preso dentro de casa e a música era um escape óbvio daquela realidade.
“Isolation” foi concebido para ser um álbum instantâneo, composto bem no início da pandemia, quando o noticiário e a perspectiva de futuro pareciam bastante desoladores. A proposta foi escrever aquelas 7 faixas no período de uma semana, e foi o que fiz. Para cada dia, um sentimento e uma melodia nova.
Com “Violently Kind”, me vi debruçado sobre poemas antigos que não haviam sido compartilhados com ninguém por serem pessoais demais, frágeis… Mas durante a pandemia, a inevitabilidade da morte e incerteza do dia de amanhã, me pareceram a melhor oportunidade para trazer essa história à tona. Uma curiosidade: a criança na capa do álbum sou eu.
Por falar nas capas, você também é o responsável pelas artes (capas) dos álbuns?
Com exceção das capas de “Deflexão”, fotografia de Laura Pinheiro (@laurahaustus) e “Corrüido”, fotografia de Iara Musa (@iaramusaart), sou o criador de todas as artes dos álbuns.
“Deflexão”, o seu álbum de estreia, é mais voltado ao rock nacional. Quais foram as influências para a criação dele e quando você decidiu que as camadas eletrônicas seriam o protagonista do seu som?
Eu fui ao Lollapalooza 2013 e assisti alguns shows impactantes que vieram a influenciar muito a sonoridade do álbum: um deles foi o projeto paralelo do Mike Patton (Faith No More), Tomahawk. A pegada da bateria de “Deflexão” vem principalmente dali. Liricamente, eu era um jovem de 22 anos quando escrevi aquelas músicas, então tem muita angústia juvenil destilada ali.
Sobre abandonar o foco na guitarra, aconteceu logo após “The Ocean Around”, um álbum que concebi para poder tocar riffs e usar distorção de maneiras que não explorei em “Deflexão”. Quando comecei a escrever novamente após este álbum, senti que ficaria me repetindo se deixasse a guitarra ditar o rumo da minha arte. A guitarra está presente em produções posteriores, mas mais como um elemento de textura do que como o protagonista da composição. Para além disso, trabalhar com elementos eletrônicos me deu mais liberdade criativa no contexto do meu home studio, como banda de um homem só.
Sendo o Madame Spectrum uma one man band, a partir de qual instrumento você pensa nas criações das suas composições? E você pensa em levar o projeto para os palcos?
No caso do “Deflexão”, o primeiro instrumento que gravei a partir das ideias que tinha em mente foi a bateria (isso mesmo, incomum né?). “The Ocean Around” surgiu a partir dos riffs de guitarra que fui catalogando… Para o “Violently Kind”, escrevi basicamente tudo no teclado antes de começar a gravar. No último álbum, “33”, foi no violão que compus 90% do material.
Levar o projeto aos palcos é um sonho antigo, desde sua concepção. Já tentei levantar uma banda para isso, na época só tinha “Deflexão” sob minha autoria, e não deu muito certo. Tenho uma playlist lá no Spotify de nome “Absurd (Or the Hallucinated Setlist)”, que dá uma ideia de como seria a setlist de um show lá em 2020.
Para finalizar, com o “33” lançado, quais são os seus próximos passos do Madame Spectrum?
No momento pretendo “absorver” o álbum: conversar com ele de uma perspectiva diferente, agora que ele está livre. Nesse processo, às vezes novas idéias surgem, outros conceitos… Nem sempre é o caso, mas é o que aconteceu entre 2019 e 2020, quando lancei 4 álbuns e alguns singles.
De toda maneira, como artista, fico bastante contente ao reconhecer que “33” está pronto e que a carta para Cecília está ali esperando que ela tome seu tempo para ouvir os detalhes.