Atualizado em: setembro 11, 2024 às 9:33 am

Por Guilherme Costa

Patasola (um pé só, em português), segundo o mito colombiano, conta a história de uma mulher que teve um caso com o patrão do seu marido; quando descoberto, o marido matou o seu patrão, cortou uma das pernas da sua esposa que, por sua vez, fugiu até morrer pela hemorragia causada pela decepamento do membro. O espírito da mulher foi condenado a vagar soltando gritos de dores e pedindo por ajuda; entretanto quem a ajudasse tinha o sangue sugado. Há a lenda de que a mulher decepou a perna numa Sexta-feira Santa, quando é proibido trabalhar*.

O mito foi a inspiração para o nome do trio formado no Rio de Janeiro, por ara Bertolaccini (guitarra e vocal), Marcelo Pineschi (baixo) e Jonas Cáffaro (bateria). Mas a lenda é só pano de fundo para as letras da banda de Stoner que aborda temas, como crise climática, migração, colonialismo e guerras, no EP de estreia “Migrante” (comentado aqui).

Nome, temática e formação do grupo foram abordados na conversa com a vocalista e guitarrista da Pata Söla, Iara Bertolaccini (ex Blastfemme), na edição de setembro do Um Outro Lado Entrevista.

Capa do EP “Migrante”

Então, pelo começo: Como foi que a banda se conheceu e como surgiu a ideia do nome Pata Söla?

Eu os conheci pelo underground do Rio de Janeiro há poucos anos atrás, quando vim morar na cidade. Eu já queria montar uma banda pra criar minhas músicas, foi quando chamei os dois que tem afinidade musical e de pensamento.,

O Jonas e o Marcelo são daqui e já se conheciam há bem mais tempo, inclusive já tocaram juntos.

Eu procurava por um nome que tivesse a ver com a América do Sul. Nas minhas pesquisas pela mitologia, encontrei a história da Patasola, que, assim como Iara (meu nome), foi também descrita como uma figura feminina amazônica, protetora da natureza e dos animais, que volta para se vingar dos homens. Achei tudo a ver e, pessoalmente, me identifico com esses pontos. Porém, pra além disso, essas lendas surgiram na época da colonização europeia. Observando a fundo, elas denunciam o que acontecia na época por essas terras. Mostram a misoginia, violência, destruição da natureza, racismo…

Eu quis trazer a versão da Patasola, ao contrário da moral da história que criaram, sobre comportamento obediente para mulheres. Foi uma mulher que manifestou um desejo (traiu o marido) e foi punida por isso (o marido correu atrás dela para matá-la e cortou uma perna). Ela volta em formato de “monstra” assustadora e diz a lenda que ela não ataca o homem que estiver cuidando de um animalzinho.

Então o mito em relação à Patasola interferiu/ inspirou 100% nas letras das músicas do EP? Ou houve algum outro tema “adicional”?

Não, incorporamos junto ao que vínhamos fazendo, pois tinha tudo a ver.

O EP trouxe um tema principal, que é o ato de migrar. Isso foi uma conexão entre minha experiência pessoal de migrante com o que estamos profundamente tocados no atual contexto: guerras, pessoas saindo de suas raizes por sobrevivência. Tudo isso, inclusive o nome da banda, traz questões fortes sobre origem, migração, dominação de territórios/ povos.

Como foi a escolha pela sonoridade mais Stoner e em quais bandas vocês se inspiraram? Inclusive, no Instagram da banda, foi comentado que houve outras influências após o lançamento da música “La Patasola”. Quais foram essas influências adicionais?

“La Patasola” foi uma música que criei há muitos anos atrás e faltava terminar. Eu [a] trouxe para dar início à banda, mas já sabia que não queria seguir tão “Sabbath” quanto foi aquela.

Não escolhemos nenhuma sonoridade específica, meu objetivo com a banda era ter com quem criar, num espaço em que fosse permitido eu me expressar ao máximo musicalmente. Não fazíamos ideia do que ia sair, principalmente com a minha voz, pois nunca havia sido vocalista. Só tínhamos em acordo que teria peso e groove.

O Jonas e o Marcelo acreditaram comigo que formaríamos uma identidade como banda e, assim foi, tudo fluiu muito bem.

Nós três temos influências e vivências muito parecidas dentro do rock, desde hardcore, punk, grunge, até metal, stoner, rock’n roll…

Quisemos trazer isso sem grandes limitações e incorporamos elementos da música brasileira e latina, além de estruturas não muito óbvias.

E em quais faixas você acredita que as estruturas “não muito óbvias” ficaram mais explícitas?

Buscamos fazer isso em todas, não há muito o que se chamar de “refrão”, por exemplo… mas talvez a quinta faixa (“Echo”) seja a mais evidente.

O processo da gravação do EP “Migrante” teve bastante participação da banda: o Jonas foi responsável pela mix e masterização, você criou a capa. Creio que isso veio das suas experiências anteriores. Mas como foi divida essas funções? Elas já estavam definidas antes da gravação do EP ou foi durante o processo dela?

Imaginávamos que teríamos algo nos moldes “faça você mesmo”, mas não era nada definido, acabou sendo assim de forma espontânea, interesses e necessidades.

Falando da capa, qual foi a inspiração para ela?

Eu quis expressar o sentimento de ter “raízes espalhadas”, de forma não muito figurativa. Somei esse meu desenho da raiz com um quadro abstrato que havia feito há um tempo.

Me inspirei na estética de capas que gosto como PJ Harvey, Mad Season e Sonic Youth.

Umas das faixas que mais me chamou a atenção foi a “Ninas Del Paraíso”. Você pode comentar a respeito do significado e inspiração para a letra da faixa? E como foi a ideia de ter letras em espanhol (além do inglês, que é mais convencional)?

Essa música fala principalmente sobre crianças em contexto de guerra, além de pedir um cessar fogo. Faz referência a várias culturas, em locais com duras realidades impostas desde que nascem, quando nascem.

O título “Niñas del Paraíso” foi inspirado no nome de um filme iraniano e também logo após eu assisti um vídeo em que um grupo de meninas, com esse nome, protestavam por uma Palestina livre.

A ideia de fazer letras em espanhol é uma busca pra sair do inglês mesmo, trazer um pouco mais essa identidade pertencente à América Latina. Ainda não consegui fazer letras em português, mas acabei curtindo bastante o efeito que o espanhol dá.

Mas há a pretensão de fazer letras em português?

Eu cheguei a tentar, mas não rolou! Hehehe. Talvez um dia saia algo, mas não é nosso foco. Pra mim, o que guia é a sonoridade, depois a letra se encaixa.

Conta como surgiu a parceria com a Abraxas e como o selo foi importante no lançamento do Migrante”?

Sempre gostamos da Abraxas, inclusive já lançaram outras bandas do Jonas e Marcelo. É um selo que acreditamos abraçar toda essa sonoridade. Essa parceria é importante pois nos conecta com outras bandas e pessoas interessadas, como no caso desta entrevista por exemplo!

Inclusive a Abraxas, pra mim, é um grande canal para se procurar por Stoner

Sem dúvida! 🙂

Quando eu penso no Stoner Rock, logo me vem à cabeça bandas (brasileiras) como o Red Mess, Son of a Witch e In The Rosemary Dreams. Como você enxerga o cenário do Stoner no país, e quais outras bandas você pode citar para ficarmos atentos?

Eu não sei dizer se isso acontece em todo país, mas sei que no Rio de Janeiro havia uma cena bem agitada entre 2015~2018 que foi se perdendo.

Algumas bandas que conheci nessa época e gosto muito foram a Muñoz, Hammerhead Blues (super na ativa até hoje), Lâmmia, Augustine Azul, Necro, Psiloscibina, Aura…. entre outras. Cada uma delas com uma característica mais forte, puxando o som pra algum lado, mas todas fizeram parte desse cenário. São bandas de norte a sul do Brasil e a Abraxas tem total a ver com isso.

Duas bandas que são nossas parceiras e iremos tocar junto em breve é a Giant Jellyfish (Santo André) e Muladhara (Rio de Janeiro). Recomendo fortemente!

Quais serão os próximos passos, em relação a shows, gravações, clipes?

Estamos organizando os primeiros shows, preparando merch e vamos gravar uma pequena live session em breve.