Atualizado em: abril 30, 2025 às 8:24 am
Por Arthur Coelho
O Brasil é um dos países com o maior número de bandas que participam de uma cena musical independente, o denominado “underground”. Independentemente do gênero ou do estilo, você pode ter certeza que vai ter alguma banda representando aquele determinado som.
Ultimamente, uma das cenas que mais tem crescido e ganhado holofotes é a de grupos de rock triste, como os próprios fãs as chamam. Mais especificamente, bandas de composições autorais mais sentimentais e com uma sonoridade bastante inspirada pelo shoegaze e pelo dreampop.
E quando falamos dessas bandas de destaque, não podemos deixar de citar a criativa e encantadora Adorável Clichê, formada em Blumenau (Santa Catarina) em meados de 2013 por um grupo de amigos do ensino médio.
Entre jams e experimentações, Gabrielle Philippi (vocal e guitarra), Marlon Lopes da Silva (vocal e guitarra), Gabriel Geisler (baixo), Felipe Protski Martins (teclado) e Diogo Leal (bateria), que posteriormente sairia da banda, viriam a fazer parte da formação que lançou o primeiro disco deles “O Que Existe Dentro De Mim”, do qual falaremos hoje.
Lançado oficialmente em 31 de agosto de 2018 pelo selo Nuzzy Records, com um total de nove faixas, sendo duas delas singles (“Crescer” e “Traços”), o grupo elevou o conceito de música independente ao gravar e elaborar a sua nova compilação diretamente de um estúdio improvisado no quarto do guitarrista Marlon, que assina a produção ao lado da masterização de Guilherme Chiappetta, que também trabalhou com o Raça e o Terno Rei.
A escolha do grupo por tal nome não veio ao acaso, muito pelo contrário. As bandas que Guilherme Chiappetta trabalhou junto também representaram grandes inspirações para os membros do Adorável Clichê. O próprio Marlon declarou para a mídia Palco Alternativo que suas principais influências vieram de grupos como: Yuck, Terno Rei, Raça, Explosions in the Sky, MBV e Tame Impala.
Os elementos de rock alternativo e de indie pop tão presente em tais artistas se juntou a uma pegada mais introspectiva, completamente tomada por efeitos e sintetizadores que aproximam o som do disco, com a presença nostálgica e cheia de ruídos, ao gênero do shoegaze, dando sequência aos trabalhos do EP “São Tantos Anos Sem Dizer” (2016) e se afastando de “Demo II” (2015), que continha um som mais limpo.

Capa oficial do disco
Da mesma forma, suas letras continuam a mostrar como o Adorável Clichê é uma banda sensível, cantando e tocando sobre sentimentos de um dia a dia tomado por frustrações, ansiedade e o cansaço de uma rotina. Segundo a própria letrista e vocalista Gabrielle, suas composições são uma espécie de desabafo: “São canções íntimas, emocionais, de coisas que muitas vezes não deixamos transparecer pela rotina ser rodeada de relações superficiais em que se não se sente à vontade de se expor”. Comentou o grupo em entrevista para a Revista Arte Brasileira.
A ótima “Poluição”, em meio a seu ritmo lento e guitarras agudas, poderia completar sua declaração: “A poluição/Só serve para mostrar/O que há dentro de mim/Fecho meus olhos e acredito/Que as luzes da cidade vão se acender/Mais uma Vez/O que me resta para dizer/Me sabotar pensando em tudo que sinto/Mais uma vez”.
E o curioso é que a mesma rotina cansativa que suas composições elucidam também é a responsável por eles cantarem o que cantam. Parte da lírica de “O Que Existe Dentro De Mim” é sobre a rotina e foi elaborada durante essa correria diária.
Na mesma entrevista, Gabrielle disse que “muitas letras surgiram rápido, nos ensaios, outras surgiam no intervalo da faculdade ou quando eu andava de ônibus”, o que também aparece de forma similar na música de abertura: “Traços”.
“O relógio ainda não esqueceu de mim/Mas eu ainda me sinto a mesma/Eu sei que já não é assim/A rotina envelhece mais que todos os cigarros/E a minha vida passa mais rápido que os carros se vão/E ainda procuro em cada rua que eu viro o mesmo lugar”
Já em “Falsa Valsa”, o grande sucesso do grupo até hoje com mais de um milhão de reproduções, o grupo mostra seu lado mais melancólico, expondo um saudosismo que extrapola o seu som nostálgico através da saudade de alguém.
“Vai, mas não esquece de voltar/Vai, mas não esquece de ligar/Eu vou te esperar”
E a dobradinha em seguida não deixa o nível cair, passando pela transição minimalista e instrumental de “Naquele Inverno” que ganha forma no marcante riff de guitarra e batidas de “Eu Só Queria Que Tudo Tivesse um Fim”, uma das canções mais tristes do disco. Com linhas de guitarra bem dedilhadas e um baixo de bastante destaque, a canção ganha contornos épicos com os pratos de ataque da bateria entrando em cena enquanto o vocal se supera com o refrão:
“Para de pensar em se acabar/Para de pensar em se mudar/Eu não vou mais/Eu não vou mais”
Ainda, a faixa “Compressa” aparece brincando com um jogo de palavras que reflete a forma como o grupo lida com a ansiedade, mais uma vez também destacando o poder dos vocais de Gabrielle.
“Não tenho pressa pra chegar/Deixo meu corpo se entregar/E ainda lembro o que existe dentro de mim/O que existe dentro de mim”
Até mesmo pelos títulos, “Crescer” e “Sobre Cair de Bicicleta” poderiam falar de uma coisa só. A primeira, fala de despedidas e possui um dos melhores instrumentais do disco, novamente destacando o baixo e as linhas de guitarra em um momento solo: “Eu tenho medo, tenho os meus receios, meus segredos/ Eu te entristeço, eu tiro o seu sossego, seu desejo/ E eu vou te deixar agora/ Eu vou te deixar”. Já a segunda delas, através de um groove de valsa (que não é falsa), mostra todo o arrependimento e o drama de se machucar em relações, criando feridas que doem, mas saram em algum momento. Assim como ao cair de bicicleta: “Mais uma vez eu vi/ Mais uma vez não hei de ouvir/ Mesmo que esfreguem na minha cara/ Mais uma vez não hei de ouvir/ Mais uma vez vou me entregar/ Como se nunca houvesse feito/ Mais uma vez vou me entregar/ Me esparramar, me envolver, me lambuzar/ Como se nunca houvesse feito”.
Por fim, “Artificial” encerra o álbum, merecendo o destaque de uma das melhores músicas que o grupo já fez até hoje. Seu início é tomado por um riff viciante que serve de palco para uma letra tocante sobre desilusões da vida adulta, encarnando aquele momento em que você finalmente se depara com um fato chocante: você não é mais criança ou adolescente.
“Explode bolha de sabão/ Quando eu chego aos vinte e um/ E os amigos que eu tive, as piadas que eu ri/ Queria tudo de novo, como antes de entender/ Que o mundo não é igual, é tudo o que pensei/ E os meus pais vão morrer e eu vou viver, eu sei/ O ano vai desandar e eu vou me lembrar/ Do jeito como me olhavam antes de tudo mudar/ E se tornar…Artificial”
“O Que Existe Dentro De Mim” não poderia terminar de outra forma que não fosse expressando toda sua sensibilidade e beleza. Os segundos finais do disco são tomados pela resposta do grupo em tom de coro (que se torna ainda mais belo nas apresentações ao vivo) à indagação que eles e nós nos fazemos todos os dias em relação aos problemas:
“Eu não sei se você já percebeu
A gente já não se importa mais
Na verdade, a gente nunca se importou!”