Atualizado em: maio 20, 2025 às 10:06 pm
Por Arthur Coelho
Uma pessoa estranha, muito magra e com maquiagem perto dos olhos sobre um fundo quase pintado: a capa do disco de debute da banda finlandesa His Infernal Majesty (HIM) representa totalmente o som misterioso e sombrio que te abraça na primeira audição aos trabalhos do grupo.
Em algum lugar entre o metal gótico do Type O Negative, a produção do Systers of Mercy e as letras românticas e mórbidas do The Cure, a banda encontrou sua identidade com um hard rock sensível que flerta com um lado infernal. Independente de como você julgue, a verdade é que a banda sempre se distanciou do rock mainstream dos anos 80 e 90, com aquela pegada “badass” ou de assuntos triviais.
Esse é também um assunto importante para o grupo, pois o HIM trabalha muito com a simbologia visual, principalmente através de seu frontman Ville Valo, que sempre flertou com a androgenia. E essa construção vem desde o seu primeiro disco, que já mostra seu lado mais sentimental e sensível logo pelo no título: “Greatest Love Songs Vol.666”.
Lançado em 1997 com a ajuda do produtor Hiili Hiilesmaa, a compilação viria a receber um disco de platina em seu país, assim como os prêmios de “Álbum de Estreia do Ano” e “Revelação do Ano” no Emma Awards de 1997, a versão finlandesa do Grammy.
Naquela época, o quarteto composto por Ville Valo (vocais), Linde Lindström (guitarra), Mikko (Mige) Henrik Julius Paananen (baixo), Antto Melasniemi (teclados) e Juhana “Pätkä” Rantala (bateria) caminhava em pequenas casas finlandesas tocando covers de variados grupos que iam do rock ao pop. E quis o destino valer que o grande hit comercial da banda justamente fosse uma dessas regravações.
A apaixonante e igualmente pessimista “Wicked Game”, originalmente cantada pelo cantor estadunidense Chris Isaak em um estilo meio folk, ganhou riffs pesados, vocais mais encorpados e um belo solo de guitarra nas mãos e vozes do grupo. O fato de uma banda com aspirações góticas escolher uma canção desse estilo pode até parecer algo surpreendente, mas o HIM inverte essa lógica.
“Eu posso me identificar com o sentimento dessa música, ela tem o mesmo tipo de melancolia que você encontra nas músicas tradicionais finlandesas e em nossa música. Nós temos muito mais em comum com um cara como o Chris Isaak do que com qualquer banda de testosterona-heavymetal”, explica o frontman.
“Wicked Game” é um cover genial e um exemplo de como um artista pode fazer com que um som existente ganhe novas caras sem perder a essência. E é por isso que foi escolhida para fazer parte de “Greatest Love Songs Vol.666” como segunda faixa, dando continuidade à amostra que se inicia com a ótima abertura “Your Sweet 666” que mostra um lado tocante e solitário de uma relação amorosa que se desequilibra entre desejo e desesperança.
Marcas pontuais no teclado, vocais arrepiantes, riffs pesados e pontes crescentes são marcas da canção que estendem por todo o disco, chegando a um lado ainda mais denso na poética e dramática “Our Diabolikal Rapture”, que aproxima o amor da morte através de inspirações do doom metal com pratos barulhentos.
Your love is the only thing I live for in this world/Oh, how I wait for the day your heart burns/In these heavenly flames I’ve already scorched in/I just want you to know/I’ll always be waiting
Seu amor é o único motivo pelo qual eu vivo neste mundo/Oh, como eu esperei pelo dia que seu coração queimasse/Nestas chamas divinas, eu já havia me queimado/Eu só quero que você saiba/Eu vou estar sempre esperando
O tema é similar ao de “The Heartless”, que mostra a forma como um romântico sofre quando é rejeitado, ao som de um coro angelical comandado por vocais femininos enquanto Valo canta por cima. Lembra-se das pontes crescentes citadas? Então, elas aparecem aqui com maestria e no alto bom volume dos riffs de Linde Lindström,
Outro destaque da compilação é a mistura entre doom metal e gótico “The Beginning of The End”, onde o vocalista entra com um canto mais abafado ao lado de riffs cheios de ruídos e uma letra que não poderia ser mais vampiresca.
Save your happiness for tomorrow/A drop of your blood tastes like wine, today/And today we’ll drown in your tears/A drop of your blood tastes like wine, today
Guarde sua felicidade para amanhã/Uma gota do seu sangue tem o gosto de vinho, hoje/E hoje nós iremos se afogar em suas lágrimas/ Uma gota do seu sangue tem o gosto de vinho, hoje
“Wicked Game” não é único cover do disco, pois também há uma regravação de “Don’t Fear The Reaper” em especial colaboração com a cantora Sanna-June Hyde, que leva a canção originalmente composta pela banda de rock Blue Öyster Cult para um nível mais teatral com a ajuda de efeitos instrumentais.
A faixa é ótima, mas o auge do álbum aparece mesmo quase em seu final com a subestimada “For You”. Assim como a anterior, ela também conta com a colaboração de uma cantora. Aqui, Asta Hannula assume os vocais em um estilo de ópera enquanto Valo mostra o quanto é um bom vocalista em uma das melhores letras da compilação.
And I’m dying for your loveI’m for you/And my heaven is wherever you are/In 666 ways, I love you/And my heaven is wherever you are/I’m here for you
E eu estou morrendo pelo seu amor/Eu estou com você/Meu paraíso é onde quer que você esteja/De 666 maneiras eu te amo/Meu paraíso é onde quer que você esteja/Estou aqui por você
“For You” também mostra a técnica dos membros do Him com um instrumental muito bem elaborado em um dos trechos mais pesados presentes na discografia da banda.
A última canção da qual citarei é “When Love And Death Embrace”, que não encerra oficialmente o disco, mas consegue sintetizar o lado mais mórbido, sentimental e melancólico do grupo em seus seis minutos de duração e poucos versos.
I love you/ And you’re crushing my heart/ I need you/ Please take me into your arms/ When love and death embrace /When love and death embrace
Eu amo você/ E você está esmagando meu coração/Eu preciso de você/Por favor leve-me para seus braços/Quando o amor e a morte se abraçam/Quando o amor e a morte se abraçam
O disco de debute do HIM não é seu maior sucesso comercial, mas é um dos melhores dentre a sua vasta discografia. Apresentando o ex-grupo de covers para o mundo e dando pontapé na história de uma das bandas mais diferentes dos subgêneros do rock e do metal logo em um de seus discos mais pesados.