Atualizado em: maio 13, 2025 às 7:21 pm

Por Arthur Coelho

Já faz mais de uma semana que a Lady Gaga se apresentou no histórico show na Praia de Copacabana para mais de 2 milhões de pessoas. Mas isso está longe de significar que qualquer comoção sobre o trabalho da cantora tenha passado. Muito pelo contrário, após o espetáculo, 12 de suas músicas entraram no top 20 das faixas mais ouvidas no mundo durante as últimas duas semanas, inclusive garantindo uma hegemonia nas primeiras colocações e variando as escolhas dos ouvintes entre as novidades da cantora e os hits já conceituados.

E não é para menos! A apresentação da cantora para um público recorde, foi simplesmente inesquecível para quem acompanhou pessoalmente ou pela transmissão via TV/streaming (que até chegou a render reprises!!), contando com um setlist icônico e que destacou diversas faixas de “MAYHEM“, o mais recente e talvez melhor trabalho de toda a carreira da artista.

O sétimo disco de estúdio da discografia de Gaga saiu no dia 7 de março de 2025 com as produções de Andrew Watt, Cirkut, Gesaffelstein e Michael Polansky, noivo da artista, como produtor executivo. Além de ser o sucessor sequencial do trabalho de dancepop em “Chromatica” (2020) e outras colaborações para o mundo cinematográfico, como no caso de “Coringa: Delírio a Dois” (atuação e trilha sonora).

Além de alcançar o topo de todas as paradas globais, o álbum pode ser considerado o mais completo, maduro e diversificado de sua discografia, podendo agradar tanto seus fãs mais fiéis e nostálgicos quanto outros nichos de ouvintes.

O trabalho de “MAYHEM” marca o retorno oficial de Lady Gaga para um pop de consagração, ao mesmo tempo que também é uma aventura em novos ares de influências e inspirações:

“Eu queria percorrer caminhos antigos e, ao mesmo tempo, desbravar novos, o que acho difícil de fazer. Há alguns momentos no álbum em que algumas pessoas podem dizer: ‘Ah, isso me lembra disso’, porque eu tenho um estilo, mas me esforcei musicalmente para me impulsionar a um novo patamar”. Comentou a artista.

Sua faixa de abertura “Disease” é uma síntese da declaração da cantora, chutando a entrada com um electropop experimental numa espécie de versão mais coesa e estruturada dos trabalhos de “ARTPOP” (2013) e com uma letra escapista que poderia ter aparecido em “Chromatica” (2020). A música saiu como single, assim como o absoluto hit “Abracadabra”, que destaca os vocais mais graves da cantora em uma melodia viciante tomada pelo nonsense lírico tão exibido nas clássicas músicas do “The Fame” (2008).

O mesmo acontece em “Garden Of Ede”n, que, sem exageros, é uma das melhores músicas do trabalho da cantora estadunidense. A faixa exala a nostalgia de seus primeiros hits ao criar um dancepop de pista de balada. Não à toa, o seu trabalho mais recente é marcado por um retorno ao passado da cantora, mesmo que apenas nas faixas iniciais.

“(O processo criativo de Mayhem) começou quando eu enfrentei meu medo de retornar à música pop que meus primeiros fãs amavam”. Fazendo uma analogia com o remontar de um espelho quebrado: “mesmo que você não consiga juntar os pedaços perfeitamente, você pode criar algo lindo e completo à sua própria maneira”. Comentou em entrevista para o portal Pitchfork.

“Perfect Celebrity” surge com uma letra irônica e crítica que destaca a idealização da fama pelo astro, fãs e, principalmente, pela indústria musical como um todo, exigindo determinado comportamento para alguém se manter nos holofotes.

“Parece que estou morrendo de fome, mas estou tão linda /I look so hungry, but I look so good

Toque na minha veia, chupe meu sangue de diamante/Tap on my vein, suck on my diamond blood

Engasgue com a fama e torça para ficar chapado/Choke on the fame and hope it gets you high

Sente na primeira fila, veja a princesa morrer/Sit in the front row, watch the princess die

Eu me tornei uma figura notória/I’ve become a notorious being

Encontre meu clone, ela está dormindo no teto/Find my clone, she’s asleep on the ceiling

Agora, não podem me destruir/Now, can’t get me down

Você adora me odiar/You love to hate me

Sou a celebridade perfeita/I’m a perfect celebrity”

Capa oficial de Mayhem, Lady Gaga (2025)

Uma curiosidade é que a primeira música criada para “MAYHEM” é apenas sua quinta faixa: “Vanish Into You”. Sua posição dentro da compilação pode ser destacada como uma transição para um som diferente que virá na sequência. Sua melodia é crescente e cria a atmosfera perfeita para uma música que, segundo a própria cantora, “fala de um sentimento de eu querer desaparecer dentro na pessoa que mais amo”, canalizando uma relação nostálgica em letras que lembram as composições de “Joanne” (2016).

“Vi seu rosto e o meu/Saw your face and mine

Em uma foto ao lado da nossa cama/In a picture by our bedside

Fazia frio no verão/It was cold in the summertime

Estávamos felizes por simplesmente estarmos vivos/We were happy just to be alive

Posso desaparecer em você? /Can I vanish into you?”

Se a faixa anterior foi a primeira a surgir, “Killah” (um feat com o DJ e produtor francês Gesaffelstein) é uma das mais diferentes da discografia diva pop.

“Adoro a produção dela. O único instrumento ao vivo em todo o disco é uma guitarra, e é muito divertido. É tão confiante. Mas era diferente de qualquer sensação ou groove que eu já tivesse trabalhado antes. E a verdade é que não sou tão confiante o tempo todo. Sou alguém que definitivamente pode se sentir profundamente inseguro, mas naquele disco, é como o auge da confiança”. Comentou em entrevista para a Rolling Stone.

A música, definitivamente, tira tanto a cantora quanto ouvinte da zona de conforto e marca um miolo do disco que representa um som mais influenciado pelos grooves do funk, elementos da música disco e pelo pop rock, passando a dar mais atenção aos instrumentos presentes nas faixas.Talvez a comparação soe de forma meio estranha, mas a intro dela chegou até mesmo a me lembrar de “Love Me”, do controverso grupo The 1975, que também destaca sua linha de baixo da mesma forma que a melodia deliciosa de “ZombieBoy”, que marca a metade da compilação.

Com um quê de “Thriller”, do Michael Jackson, a sexta faixa também se destaca ao criar um refrão sensacional, daquele clássico estilo que apenas Gaga sabe fazer. E não menos importante, é também uma homenagem ao falecido modelo canadense Rick Genest, que fez parte do clipe da famosa música “Born This Way” com suas inúmeras tatuagens.

“Quando trabalhava nesta canção, que em última instância é uma grande celebração, essa palavra simplesmente apareceu em minha mente. É uma canção sobre aquele momento na noite em que você e seus amigos percebem que no dia seguinte vão se sentir péssimos porque estão se divertindo demais. Trata-se de se sentir como um zumbi pela manhã”. Disse na mesma entrevista para a Rolling Stone.

O destaque do baixo passa para a guitarra na escapista “LoveDrug” e o disco chega ao seu auge pop com o hit “How Bad Do You Want Me”, onde o vocal da cantora chega a perder parte de seu estilo mais grave ao cantar sobre comparações machistas. Em uma entrevista ao podcast Las Culturalistas, produzido pela iHeartRadio, Lady Gaga chegou a destacar sua intenção com a letra da faixa:

“Essa música representa um sentimento que eu tive durante toda minha vida que é o de sempre ter sido estereotipada como a garota má. Por isso a letra é engraçada, é muito estereotipada. Mas eu sempre batalhei contra esse sentimento de vergonha, de estar apaixonada por alguém e talvez ele quisesse uma garota boa, mas está preso a uma garota má. (…) A garota boa está apenas no imaginário dele”.

Talvez “Don’t call tonight” fique esquecida nos setlists dos shows ou entre os maiores destaques de “Mayhem”, mas ainda sim é uma das melhores músicas da compilação. Ela caminha com um groove em ritmo divertido e vai crescendo cada vez mais com um instrumental que se destaca tanto quanto os impressionantes vocais. “Shadow Of A Man” tem uma pegada similar e soa tão bem quanto a anterior, dando continuidade ao instrumental de funk mais groovado com refrão de disco.

Chegando ao finalzinho de “Mayhem”, entramos em uma fase de faixas com um charme mais misterioso e tempos menores, como os que estão presentes na sexy “The Beast” e na pretensiosa “Blade of Glass”, que acompanha a voz da cantora em ritmo lento com um piano, arranjos minimalistas nas cordas e uma bateria que dialoga com esse ritmo.

A música também se destaca como uma balada com uma letra metafórica que conta o episódio de pedido de noivado da cantora:

“Eu a escrevi depois que Michael (Polansky, seu noivo) me pediu em casamento. Mas a canção era sobre uma lembrança que eu tinha de nós dois parados no quintal e ele disse: “Quando eu te pedir em casamento”, ele disse, “o que eu devo fazer?” E eu disse: “Você pode simplesmente enrolar uma folha de grama no meu dedo no quintal”. E eu disse: “Eu digo sim”. Mas naquele quintal, em nossa casa, tantas coisas aconteceram. Era a lembrança do passado me assombrando e a perda de amigos, a perda de entes queridos. Eu tinha uma amiga que se casou no meu quintal e morreu de câncer. Então eu estava me lembrando que esse momento feliz e essa coisa feliz na minha vida também estava acontecendo em um lugar onde era um momento agridoce, onde eu estava refletindo sobre isso também”.

Seu toque intimista e criativo poderia muito bem encerrar os trabalhos de “Mayhem”, mas o apelo comercial do single “Die With A Smile”, com o cantor Bruno Mars, não deixou. O hit é ótimo, rendendo bilhões de reproduções e até mesmo um Grammy de melhor performance de dupla na edição de 2025, mas parece um pouco deslocado dentro da compilação, fazendo uma espécie de contraste com “Blade of Glass” ao cantar sobre o amor de forma sonhadora e idealizada.

De qualquer forma, “MAYHEM” se consagra não apenas como um dos melhores e mais criativos trabalhos de Lady Gaga, como também entra na lista dos melhores discos lançados nos últimos anos, mostrando que a alcunha de diva pop ainda é pouco para definir uma artista que sabe se reinventar e dialogar com seus próprios trabalhos passados de forma ousada e sem perder a originalidade.

“Mayhem é sobre seguir seu próprio caos em qualquer recanto de sua vida que ele o leve. O caos (caos é a tradução literal de mayhem) que eu pensava ter desaparecido há muito tempo está totalmente intacto e pronto para me cumprimentar sempre que eu quiser. Parte da mensagem até mesmo da primeira música do álbum é que seus demônios estão com você no começo e eles estão com você no final, e eu não quero dizer isso de uma forma sombria. Talvez possamos fazer amizade mais cedo com essa realidade, em vez de correr o tempo todo”.