Atualizado em: agosto 27, 2025 às 10:03 am
Por Arthur Coelho
Na última quinta-feira (21), o mundo recebeu a trágica notícia da morte de Brent Hinds, um dos fundadores da banda Mastodon e um dos melhores guitarristas do metal internacional.
O também ex vocalista partiu, mas fará uma falta imensa. Não apenas no dia-a-dia de seus familiares e amigos, como também na vida de seus milhares de fãs que já se identificaram de alguma forma com suas composições.
Esse, em especial, é o meu caso, no papel de quem tem o Mastodon como uma das bandas favoritas e que não poderia deixar de dedicar esse texto para uma pequena parte de um imenso legado deixado por Brent nas artes musicais com letras, solos e arranjos incríveis.
Em seus mais de 20 anos de banda, ele foi responsável pelo lançamento de nove discos de estúdio e um Ep, com diversas faixas que falam abertamente sobre perda e morte. Mas um trabalho em específico eleva a reflexão sobre os temas para um lado inusitado e místico, com direito a viagens astrais e certo espiritualismo.
Crack The Skye (2009), que comemora 16 anos de vida, é até hoje considerado uma obra prima do metal progressivo. O álbum foi lançado num contexto complicado, em que alguns dos participantes da banda lidavam com o luto de familiares, e apresentou uma mudança sonora radical ao se afastar das influências sludge/death de Leviathan (2004), Remission (2002) e Blood Mountain (2006).
O que foi mantido aqui foi o quesito conceitual, que se utiliza de cada uma de suas faixas para contar uma história através de todo o agrupado do álbum. Algo que o compilado conseguiu fazer através de um conto sobrenatural, maluco e tocante, que também não deixa de ser teatral e cinematográfico do modo Mastodon, com seus complexos arranjos progressivos e trocas de vocais que passariam a também envolver o baterista Brann Dailor.
Nosso personagem protagonista é alguém debilitado fisicamente e que procura na viagem astral uma forma de se aventurar, já que não consegue mover seus músculos e membros. O problema é que em meio a essa jornada, ele acaba perdido no espaço-tempo após um encontro espiritual com o mítico Rasputin na Rússia Czarista. Parece loucura…e talvez realmente seja.
Como álbum, Crack The Skye é muitas coisas ao mesmo tempo. Sua narrativa musical é épica, sensível, triste e filosófica. Tudo isso é sentido ao mesmo tempo na divisão de apenas sete faixas que ultrapassam os dez minutos de duração em certos nomes específicos.
Os primeiros versos que abrem “Oblivion” são misteriosos, graves e alarmantes, como um sinal que vem em crescente para nos alertar sobre algo. E não é um clímax explosivo que ele busca, e sim a bela voz de Brann em seus lamentos de raiva e decepção consigo mesmo. A faixa é uma homenagem à falecida irmã do baterista do grupo (Skye Dailor) e uma ode ao sentimentalismo do personagem representado pelo refrão que não poderia ser cantado por outra pessoa que não fosse Brent Hinds:
Falling from grace ‘cause I’ve been away too long/Leaving you behind with my lonesome song/Now I’m lost in oblivion
(Caindo em desgraça, porque estive longe por muito tempo/Te deixando para trás com minha canção solitária/Agora eu estou perdido no esquecimento)
A faixa é icônica e uma das mais marcantes de toda a discografia do grupo, também responsável por fazer o ouvinte sentir todo o arrependimento e sentimento de impotência presente no luto. Ela também conta com um videoclipe espacial-épico, que não agrega tanto ao conjunto de letras, mas é divertido ao estilo metal anos 2000.
Brent nasceu no estado do Alabama e carregava influências também do country em sua música. Isso não ganha muita forma em Crack The Sky, mas justifica os acordes de folk no banjo que abrem a imersiva “Divinations”.
A faixa leva o personagem e o ouvinte pela primeira vez aos buracos negros e conta com uma explosão de notas de Brann na bateria ao lado de riffs em looping que te dão a sensação de realmente estar em uma viagem cheia de curvas.
No escape/Binding spirits/No escape/Trapped in time space
(Sem escapatória/Espíritos aprisionados/Sem escapatória/Preso no espaço-tempo)
O curso continua em “Quintessence”, uma canção absurda. Seja pelo impressionismo esbanjado pelo conjunto do Mastodon ou pelos contornos da viagem astral representada pela alternância de vocais conjuntos (um coro) com um contorno melancólico e reflexivo.
Calling reason/Finding you/These wild hearts run/Even deeper/Burning through/These wild hearts run
(Chamando por razão/Procurando você/Esses corações selvagens correm/Ainda mais fundo/Queimando/Esses corações selvagens correm)
Você realmente sente algo acontecendo, uma atmosfera intergaláctica e espiritual sendo criada através de cada nota que surge e não deixa a música respirar. Há uma certa tensão grandiosa que é justificada no próximo ato.
“The Czar” é a ópera do Mastodon, dividida em quatro partes (Usurper, Escape, Martyr e Espiral) que narram, em uma espécie de ciclo, a incorporação do nosso personagem ao corpo de Rasputin e sua iminente luta contra a morte.
A faixa é apresentada com um som estranho, quase alienígena, que vai te fazer reconhecer seus acordes iniciais pelo resto da vida, em uma lembrança de como Crack The Skye é um disco que marca gerações. Em seguida, ganha, através das vozes de Brent, um clamor para que o personagem fuja imediatamente. Ao final de seus quase onze minutos de duração, o desfecho é revelado no mais belo trecho já cantado pelo guitarrista, que ainda adiciona um solo sentimental em sua transição final.
Spiraling up through the crack in the sky/Leaving material world behind
(Subindo em espiral pela fenda do céu/Deixando o mundo material para trás)
I see your face in constellations/The martyr is ending his life for mine
(Eu vejo seu rosto nas constelações/O mártir está acabando com sua vida por causa da minha)
Cada verso aqui é construído com muito cuidado e exibe a perfeita combinação do dramatismo teatral com a maluquice criativa do quarteto do Mastodon. “The Czar” te leva para a Rússia antiga, te envolve em tensões arriscadas e exibe o que há de melhor no Metal Progressivo com versos tocantes.
“Ghost of Karelia” nos devolve ao lado espacial com vocais que alternam entre a agressividade e a melodia estranha de Troy num cenário de perturbação cósmica, construída para retratar o personagem entre desvios intergalácticos e cenários que ele nunca imaginou que existissem.
O lado mais pesado do álbum fica na faixa título, que também demonstra sensibilidade com toques de sintetizadores que ajudam a caracterizar a entrada do protagonista em buracos de minhoca e seu medo de evaporar no espaço-tempo.
Scott Kelly, conhecido pelos seus trabalhos com a banda Neurosis, marca presença aqui com vocais guturais ao lado de guitarras densas e pedais duplos na bateria. A música faz uma fusão entre o lado mais progressivo do grupo com algumas influências de seus primeiros trabalhos, sobretudo com a pegada do sludge metal.
Momma don’t let them take her/Don’t let them take her down/At least alone
(Mãe, não deixe eles levarem ela/Não deixe que a derrubem/Pelo menos não sozinha)
Please tell Lucifer he can’t have this one/Her spirit’s too strong
(Por favor diga a Lucifer que ele não pode ter essa/ O espírito dela é muito forte)
I can see the pain/It’s written all over your face/I can see the pain/You can make it all go away
(Eu posso ver a dor/Ela está escrita por toda sua cara/Eu posso ver a dor/Você pode fazê-la ir embora)
Please, please take my hand/Please take my soul to rest/So we can always be around
(Por favor, por favor pegue minha mão/ Por favor leve minha alma para descansar/ Para que nós possamos sempre estar por perto)
It is hard to see/Through all the haze at the top of the trees/Hold my head on stable ground/Watch as the earth falls all around!!
(É difícil de ser/Através de toda neblina do todo das árvores/Segure minha cabeça no terreno estável/Observe o mundo cair ao seu redor)
Tudo que foi apresentado aqui ganha contornos ainda mais dramáticos e tocantes no fechamento “The Last Baron” com seus exatos treze minutos de duração comandados pela voz de Brent em partes mais melódicas.
Essa faixa é como se o Mastodon fosse acabar no dia seguinte e precisasse entregar toda a sua técnica em um mesmo espaço. Brann está mais pulsante e criativo do que nunca com suas viradas intensas, Troy coloca seu baixo no alto e bom som e o dueto Bill Kelliher/Brent Hinds faz magia com as cordas.
“Last Baron” é intensa, apresenta diversas camadas e enche cada um de seus versos de tempos quebrados com incontáveis notas. Além de trazer os mais profundos sentimentos do personagem em uma despedida espacial que não soa como triste ou melancólica, mas como bela (e épica).
Até porque a morte aqui é apenas física, não espiritual. O personagem está num ciclo, assim como a música, que começa da mesma maneira que termina. E agora se encontra viajando pela espiral do tempo. E eu espero que ele dê um abraço no Brent por lá.
I’d guess they would say
(Eu acho que diria que)
We could set this world ablaze
(Nós poderíamos incendiar o mundo)