Atualizado em: março 12, 2025 às 11:09 am

Por Arthur Coelho

O Placebo se tornou uma das bandas mais marcantes do final dos anos 90 e começo dos anos 2000, se destacando pelo visual andrógeno de seu vocalista e seu som de rock alternativo recheado de letras dramáticas, temas sexuais, distorções nas guitarras e uma influente pegada de um pop rock que se tornaria cada vez mais presente no grupo liderado por Brian Molko (vocal e guitarras) e Stefan Olsdal (baixo e teclado).

Músicas como “Every you Every Me”, “The Bitter End, Meds”, “Special K” e “Pure Morning” são alguns dos hits mais famosos da banda, popularizados no mundo todo por aparições frequentes na MTV, no programa de televisão Top Of The Pops (um dos mais famosos do Reino Unido) e por conta de uma gigantesca base de fãs que fazem parte dos mais de três milhões de ouvintes mensais que a banda coleciona apenas no Spotify.

Com tantos discos e marcos icônicos na carreira do grupo, fica muito difícil escolher apenas uma de suas compilações para recomendar. Por isso, o escolhido da semana é àquele que deu início a todo o sucesso do Placebo na indústria musical, o seu autointitulado e muitas vezes esquecido debute, lançado no dia 17 de junho de 1996, com a participação do baterista da formação original, Robert Schultzberg, e produção de Brad Wood.

O lançamento mostra um Placebo menos refinado, mas com uma sonoridade autêntica que é tomada por uma atmosfera própria que nenhum outro disco conseguiria repetir. Seu som é mais cru, mais rápido e conta com a melancolia de sempre, mostrando os inconfundíveis timbres de Brian Molko e suas inteligentes e poéticas letras sobre drogas, rejeição, sexualidade e relacionamentos pela primeira vez ao mundo.

Suas faixas passam pelas mais variadas e identificáveis emoções humanas com uma atitude proto-punk com influências do glam rock. “Come Home”, sua faixa de abertura, começa com a frenética junção de uma bateria criativa, que utiliza muito dos sinos, com um riff agitado que se estende até um refrão melancólico que repete o título da música diversas vezes até deixar um espaço para o instrumental ressoar seu sentimentalismo tribal.

Outra faixa que combina essa temática cabisbaixa com uma espécie de rebeldia contida é “Teenage Angst”, carregada de desânimo e derrotismo aparente com a vida e elucidando a clássica prece: por que nada parece dar certo na minha vida? Ou nas palavras de Brian Molko: “Since I was born I started to decay; Now nothing ever, ever goes my way” (“Desde que eu nasci, eu comecei a entrar em declínio; nada nunca sai do meu jeito”). Verso esse que poderia muito também aparecer na hiperativa e rápida (a música é tocada em 176 batidas por minuto) “Bruise Pristine”, com o emblemático refrão “We Were Born to Lose” (“Nós nascemos para perder”), elucidado em um videoclipe que traz a música para uma interpretação de tentativa de dominação em um relacionamento.

Esse toque da sensualidade aparece no disco do Placebo na maioria de suas faixas, com personagens que parecem desejar suas relações, ao mesmo tempo em que possuem receios e inseguranças sobre seus próprios corpos e desempenhos. Em uma entrevista à revista musical NME em 1996, Brian chegou a dizer que a personagem da faixa “Hang on to Your IQ”:

“É tão autoconsciente que não consegue operar sexualmente adequadamente, o que todos nós passamos em certos momentos de nossas vidas”.

Em um determinado trecho da música, a falta de autoestima sexual fica clara: I’m a fool, whose tool is small/ It’s so miniscule, it’s no tool at all (eu sou um idiota cuja ferramenta é pequena/ é tão minúsculo que não é nem se pode dizer que é uma ferramenta). A faixa não poderia soar de forma tão melancólica, se não fosse pela sua melodia se alternando entre uma passividade calma e um desespero melancólico do refrão “I’m Lonely” (Eu estou solitário) que se repete algumas vezes. Algo similar é citado na repetitiva Bionic, que expressa uma tentativa frustrada de “chegar lá” na relação sexual enquanto se embala em um riff contido e triste.

Uma frustração que se torna ainda maior na minimalista e sexy “Lady of the Flowers”, que narra um encontro amoroso entre amantes casuais: “He likes your attitude, he tries it on for size/ He spends the afternoon, between your thighs/ How’s that for gratitude, I apologize” (Ele gosta da sua atitude, ele experimenta pra ver se serve/ Ele passa as tardes entre suas coxas/ Isso que é gratidão, eu peço perdão). Para logo depois nos revelar que uma das personagens se sente totalmente perdida na relação, marcada pela confusão da atração e a repulsa pelo parceiro: “She stole the keys to my house; And then she locked herself out” (Ela roubou as chaves da minha casa, e depois ela se trancou do lado de fora).

A situação se torna ainda mais desconfortável com as crises ansiosas de “36 Degrees”, em que Brian se apoia em um riff meio psicodélico, eletrônico e punk para contar: “Four, seven, two, three, nine, eight, Five; I gotta breathe to stay alive/ And one, four, two, nine, seven, eight; Feels like I’m gonna suffocate” (Quatro, sete, dois, três, nove, oito, cinco; eu tenho que respirar para ficar vivo/ E um, quatro, dois, nove, sete e oito; parece que eu vou sufocar)

E na balada semi-acústica e triste de “I Know”, que narra uma história de rejeição amorosa com versos tocantes que crescem de forma gradual até finalmente explodirem: “I know you love the song but not the Singer/ I know you’ve got me wrapped around your finger/ I know you want the sin without the sinner/ I know” (Eu sei, você ama a música e não o cantor/ Eu sei, você me tem preso ao redor dos seus dedos/ Eu sei, você quer o pecado sem o pecador/ Eu sei).

Já o lado mais irônico e o som mais pesado (com destaque para o baixo da melodia) do Placebo dão caras no hit “Nancy Boy”, o mais conhecido single do álbum, que dialoga com a bissexualidade do vocalista e se apropria de termos homofóbicos e misóginos para satirizar com os preconceituosos. Como se transformasse uma música de David Bowie, ídolo dos membros da banda, em uma canção mais vibrante, frenética e cheia de viradas.

Por fim, o trio europeu fecha o seu debute com “Swallow”, uma canção misteriosa, indecifrável e experimental que provavelmente foi gravada enquanto os músicos estavam drogados. Além de apresentar a bônus “H.K Farewell Hidden Track” como uma espécie de despedida acústica de 7 minutos sem vocais e que quase cria uma melodia natalina que nos invoca a imagem daqueles pequenos globos de neve.

E é nesse clima frio que o Placebo encerra o seu grandioso debute musical, ao mesmo tempo em que dá pontapé de largada a uma história que já dura quase 20 anos no mundo da música.