Atualizado em: setembro 10, 2025 às 9:53 am

Let It Enfold You é o álbum de estreia da banda de Post-Hardcore Senses Fail e completou no último domingo (7) a sua maioridade. Com 21 anos de existência, o compilado ainda é um dos trabalhos mais memoráveis do grupo estadunidense que já lançou um total de oito discos.

Como toda boa banda emo, o Senses Fail começou com um som mais cru, intenso e com algumas influências de um screamo ainda sem técnica, o que também se traduzia em letras imaturas que exploravam toda a angústia adolescente de forma dramática. Além de algo especial que surgiu nesse trabalho e viria influenciar fortemente as composições do grupo: a filosofia.

Ao mesmo tempo em que mescla referências da cultura pop com reclamações sentimentais, Let It Enfold You conta com toques criativos advindos de clássicos da literatura e da filosofia estrangeira. É um verdadeiro combinado de diferentes temas em um espaço de 13 faixas que representam de forma caótica o que é ser um adolescente, partindo de seu lado mais trivial e chegando às partes mais tocantes.

A começar pelo próprio título, que também aparece como nome de uma canção, já observamos o vocalista e principal letrista Buddy Nielsen em seu lado mais Cult. O nome Let It Enfold You foi retirado de um título de poema do romancista obsceno Charles Bukowsi, enquanto a faixa “Irony of Dying on Your Birthday” é inspirada em um trabalho do famoso escritor Joseph Campbell. A baladinha do compilado, “Slow Dance” foi escrita com trechos de ditados da filosofia oriental de Tao Te Ching.

Outras faixas mostram o Senses Fail em um lado mais cinematográfico e inspirado nas narrativas de filmes de terror e suspense. A abertura “Tie Her Down” é quase uma espécie de dark romance que poderia ser traduzido para a atual tendência de filmes que representam a paixão através do canibalismo (mas nessa versão, contando com várias viradas na bateria, riffs divertidos e uma serra elétrica).

Já “Buried a Lie”, que é o maior sucesso comercial do disco, retrata um misterioso assassinato pelo ponto de vista de um detetive, em uma narração que está entre um episódio de CSI e os finais ao estilo Scooby Doo. Não tão memorável quanto, “NJ Falls Into the Atlantic” conta um história de perseguição ás 4 da manhã, enquanto “Rum Is for Drinking, Not for Burning” imagina um cenário de batalha marítima que poderia fazer parte de algum filme dos Piratas do Caribe e a tensa “Irony of Dying on Your Birthday” entra na mente de um assassino que quer ficar marcado na história.

O restante do disco lida com temas que exploram inseguranças, baixa autoestima e frustrações amorosas, sendo responsáveis tanto por alguns trechos dos quais o vocalista Buddy sente vergonha de ter escrito quanto por letras belas e que provavelmente serviram de reflexão e reconhecimento para muitos ouvintes. Afinal, a adolescência representa uma fase de abertura e formação de quem você e, por consequência, escancara algumas angústias e te coloca em situações das quais você vai se arrepender.

Algo relativamente comum em bandas dessa mesma cena era expor em forma de música suas frustrações românticas atacando a outra pessoa, beirando muitas vezes à exposição misógina (algo que o Asking Alexandria fez como poucos). E “You’re Cute When You Scream”  faz algo nesse sentido, colocando da forma mais descritiva possível um personagem para empurrar quem o rejeitou de um prédio. Em uma entrevista, Buddy chegou a declarar a faixa como “cringe” e até alterou algum de seus versos em apresentações ao vivo.

A letra realmente não envelheceu nada bem, mas é de se admitir que a construção musical dela é super divertida e criativa, com viradas intensas ao comando de Dan Trapp, que brilha como ninguém nesse disco, e um instrumental com a cara do hardcore comandado por Dave Miller e Garrett Zablocki nas guitarras e Mike Glita no baixo.

Lady in a Blue Dress” segue por um caminho similar, mas ao mesmo tempo oferece momentos que abrem outras interpretações, seja pelo seu lado tóxico ou pela auto confissão dos próprios defeitos e desejos não realizados do narrador: You say that you want respect/ Well, then you better get/ Some for yourself/ Cause all that I see right now/Is someone who’s lost and insecure

(Você diz que quer respeito/ Bem, então é melhor você ter algum por você mesma/ Porque tudo o que eu vejo agora é alguém que está perdida e insegura).

Entre o riff magnético e marcante de “Bite to Break Skin” e o final poético de “Martini Kiss”, que transforma a lendária frase de Kurt Cobain “Its better to burn out than fade away” em refrão, o Senses Fail ainda brilha com duas músicas que apresentam momentos de reflexão na relação entre vida e morte.

Apesar de não serem faixas colocadas em sequência, “Angela Baker and My Obssession with Fire” ( que recebe esse título como referência à protagonista do filme de terror Acampamento Sinistro) e a faixa título “Let it Enfold You” parecem se complementar de alguma forma.

A primeira é envolvida por terror e medo, além de responsável por construir certa atmosfera tensa que que explora certo desespero emocional e psíquico. Em tempos de precarização da saúde mental, é de se admitir que é até difícil não se reconhecer ao menos em alguns de seus versos, como por exemplo: “i think the truth is im scared to live” (eu acho que a verdade é que eu estou com medo de viver), que marca o auge do disco com a explosão de seu instrumental que destaca as guitarras do trecho e a criatividade de Dan Trapp em toda a percussão da música.

Já a segunda faixa, que também seria um ótimo encerramento para um compilado, parece mostrar que o mesmo personagem (ou talvez o compositor da banda) tenha se afundado na amargura de sua própria decepção, que também serve como um retrato de nossa era espetacularizada e de falsos padrões criados em redes sociais. Assim como no momento anterior, dá para se reconhecer nas lamúrias dramáticas que marcam a ponte da música de forma genial:

I’m just a bad actor stuck with a shitty script/ All of my lines are cheap and the cast is weak/ There was no music for the first time/ I got kissed There was no femme fatale, my mistress wasn’t rich/ So I’ve been formatted to fit your TV screen

(Eu sou só um ator ruim preso com um roteiro de merda/Todas as minhas falas são baratas e o elenco é fraco/ Não havia música quando eu fui beijado pela primeira vez/Não havia nenhuma femme fatale, minha amante não era rica/ Assim eu fui formatado para ajustar sua tela de sua TV)

Let It Enfold You fez 21 anos recentemente e acabou de cair de cabeça na vida adulta e, curiosamente, foi feito por jovens dessa mesma idade em um período conturbado de suas vidas. Talvez seja por isso que o álbum consiga expressar tão bem a tal da raiva adolescente, aquela que parece não ter um motivo, mas que, na verdade, é a representação de uma bagunça de sentimentos que se transformam em um ódio contra tudo ao redor. Algo difícil de explicar, mas que a capa representa muito bem: na primeira aparência parece estar tudo bem, mas por dentro, onde ninguém consegue ver, tá tudo explodindo. Assim como o som caótico, sonhador e filosófico do Senses Fail.

A banda tocará pela primeira vez no Brasil no dia 2 novembro de 2025 como atração exclusiva do Festival Scream Invasion.