Atualizado em: novembro 19, 2025 às 7:28 am

Por: Arthur Coelho

Na primeira década dos anos 2000, o Title Fight se consagrou no cenário alternativo como um dos nomes mais diferentes e influentes do hardcore/post-hardcore, com um som rápido, intenso e potente que traduzia os suados e caóticos shows do grupo no formato de boa música.

Dotados de uma invejável presença de palco, o quarteto formado pelos irmãos Ned (baixo e vocal) e Ben Russin (bateria), ao lado de Jamie Rhoden (guitarra e vocal) e Shane Moran (guitarra), também se popularizou pela ousadia na hora de criar novas músicas.

Quem se depara com a banda pode achar que é (quase) tudo hardcoree isso não está propriamente errado. O diferencial é que, a cada álbum novo, o grupo se empenhava em trazer elementos inéditos às suas faixas, sobretudo em passagens experimentais e músicas mais atmosféricas — “Safe in Your Skin”, “Lefty” e outras — que contrastam com a pura hiperatividade do restante.

A cada novo lançamento, o Title Fight parecia dar preferência a um lado mais contido em detrimento das aspirações punk, algo que se concretizou por completo em “Hyperview” (2015) — o primeiro e único disco lançado pela gravadora Anti- e que marcou a despedida do grupo, oficializada em 2018.

Uma banda de hardcore combinando flertes de dreampop e shoegaze polido com rock intimista? Ainda mais vindo de um grupo conhecido por testar os limites da velocidade com máxima empolgação? Isso é algo que apenas o quarteto da Pensilvânia poderia fazer, ainda mais da forma como ocorreu.

A mudança do novo trabalho não foi planejada previamente, tampouco pensada para se encaixar em estilo X ou Y. Como relembra um texto do blog Chasing Sundays, o próprio produtor do disco, Will Yip, admitiu que a banda não pretendia fazer um trabalho shoegaze ou algo do tipo, mas que “Hyperview” acabou soando assim por detalhes de pós-produção.

“Simplesmente ficou vagamente borrado, abafado e lento, e depois foi encaixado no shoegaze. Não sabíamos que estávamos gravando um disco de shoegaze, mas enquanto mixávamos, pensamos: não queremos que os vocais fiquem tão altos, queremos as guitarras um pouco mais embaçadas e corais”.

Ou seja, tudo aconteceu de forma orgânica — e o resultado não foi menos do que impressionante, sem soar descaracterizado ou como uma banda diferente. Ainda é o Title Fight — até porque esses elementos já apareciam nos últimos lançamentos — mas agora com outra abordagem: menos intensidade rítmica, mais distorções, tempos médios/lentos e uma temática mais distante.

A própria abertura, “Murder Your Memory”, que provavelmente foi um choque para parte dos fãs, já demonstra tais características e mostra a capacidade do Title Fight de fazer coisas marcantes, mesmo sem muita complexidade.

Aliás, marcante é uma palavra que casa muito bem com esse trabalho. Eu, inclusive, acho que o “Hyperview” (mesmo não sendo meu favorito) é o álbum mais marcante deles. Você se lembra da maioria das introduções, grooves de bateria e letras — justamente por serem criativas e simples, de certo modo.

Dizzy”, outro ótimo exemplo, te ganha desde os primeiros instantes com guitarras sedutoras somadas a batidas pausadas que permanecem durante toda a música, brincando entre duas notas no chimbal ou no bumbo, e que dão espaço à voz suave de Jamie Rhoden no comando do vocal.

É uma música charmosa e, de certa forma, até sexy, que te coloca numa trilha sonora cult de romance depressivo (isso existe?), da mesma forma que “Liar’s Love” faz em seu swing de desilusão apoiado por um baixo de presença forte, que também brilha no ar íntimo de “Hypernight”.

Esse espírito, porém, não é mantido no resto do disco. Há nuances instrumentais que, inclusive, chegam a flertar diretamente com as músicas de “Floral Green(2012) e que tentam equilibrar a potência com o atmosférico, mas ainda sem chegar à explosão de antes.

Seja pelas viradas de “Rose Of Sharon” e seus berros distantes, pela primeira parte mais bagunçada de “Trance Me Onto You”, ou pelas tentativas de trazer hiperatividade em “Mrahc” e “New Vision”, fato é que, mesmo no auge de seu experimentalismo, o Title Fight não consegue abandonar totalmente suas aspirações hardcore — porque isso é parte da identidade da banda.

Independente da música, uma coisa é garantida nas versões ao vivo tocadas pela banda: vai ter caos e muito stage dive:

Quanto ao conteúdo lírico, o quarto disco do quarteto é talvez o mais reflexivo no que diz respeito à condição sentimental humana. Mesmo com poucos versos em cada uma das dez faixas, as letras fazem você mergulhar nas profundezas de seu subconsciente em busca de respostas sobre algumas das emoções mais cruas.

O quarteto divaga nessa viagem pelos 30 minutos de duração do compilado, brincando com um novo movimento que consiste em entregar guitarras distorcidas no refrão em vez de conclusões ou respostas. Isso é, de certa forma, um conceito presente no disco:

“Hyperview” é um estado de existência onde você pode ver completamente a verdade. É uma ideia bem abstrata, e estou tentando resolver os detalhes dela. É algo que eu queria fazer, criar algo e ser quem pudesse definir. Meio que combina com todo o disco. Quer dizer, nem todas as músicas funcionam juntas com o contexto. Eles são todos sobre tentar ser honesto consigo mesmo e discutir emoções difíceis de discutir ou decifrar”. – Ned Russin à New Noise Magazine.

Além de “Hypernight”, que foi a primeira música composta, dá pra citar que a delicada “Your Pain Is Mine Now” e a influente “Chlorine” — que me lembrou algo meio guitarras Slowdive, so que com mais peso — casam bem com essa ideia que move a obra como um todo.

“Hyperview” (2015) é o resultado natural de um caminho que o Title Fight vinha seguindo há um bom tempo e mostra uma banda se arriscando ao explorar um lado diferente de seu som. Um disco que acerta ao trazer momentos marcantes e composições fora da caixa, influentes para toda uma cena musical dentro e fora dos Estados Unidos. 

Sinto que sempre tentamos entrar em cada disco com algo diferente. Isso é importante para nós, nunca mais queremos entrar e fazer o mesmo disco — Ned ao veículo Vice.

Eles queriam fazer algo diferente e realmente conseguiram.