Atualizado em: abril 16, 2025 às 2:06 pm

Por Arthur Coelho

No primeiro dia do ano de 2004, o Underoath lançaria um dos discos mais populares da cena de post-hardcore. Naquele período, o grupo era considerado uma banda cristã não apenas pela fé declarada de seus membros, como também pelos temas abordados em muitas faixas. O próprio debute do sexteto aconteceu numa curiosa espécie de Black metal cristão (sim, isso existe), que logo foi ganhando outros contornos.

O grupo ainda teria o lançamento de “The Changing Of Times” dois anos antes em 2002, puxando o seu estilo para o post-hardcore, algo que apenas teria uma definição musical mais coesa com o lançamento de “They’re Only Chasing Safety”, produzido por James Paul Wisner (que também trabalhou nos lançamentos anteriores).

E é nesse contexto que o disco é lançado, com o Underoath encontrando uma nova identidade sonora como banda, enquanto evolui em suas letras e, principalmente, em produção. A novidade deles não seria apenas o seu maior sucesso comercial, como também passaria a ser considerado como um clássico de seu gênero, esbanjando seu inovador estilo de dois vocalistas (um grita e o outro canta melódico) e teclados marcantes com riffs e grooves de bateria que passariam a copiados com grande frequência.

A chance de algum fã da cena colocar o “They’re Only Chasing Safety” entre as melhores compilações que já ouviu é muito alta e isso é tudo culpa de Spencer Chamberlain (pela primeira vez nos vocais), Timothy McTague (guitarra principal), James Smith (guitarra rítmica), Grant Brandell (baixo), Christopher Dudley (teclado, sintetizadores e samples) e Aaron Gillespie (bateria e vocais).

Os membros do Underoath

Sem qualquer tipo de gracinha, “Young and Aspiring” abre o disco com os intensos gritos de Spencer em uma das melhores faixas que a banda já lançou. Seus momentos de intercalagem com a melodia de Aaron e os efeitos programados por Dudley dão um tempero ainda maior a uma canção tão dramática e viciante.

“I fear that I am just an end/ So you’ll play the mistaken and I’ll play the victim/ In our screenplay of desire and I’m still writing/ The letter I’ll never send – (Eu tenho medo de que eu seja apenas um fim/ Bem, você se fez de enganada e eu vou me fazer de vitima/ Na nossa tela de jogo do desejo / eu continuo escrevendo cartas que nunca mandarei)”

Sua letra faz um apanhado de relatos sentimentais de alguém que se sente muito mal com sua autoestima e corpo, tendo abusado muito dele de alguma forma (vício, compulsão).

“Running in circles/ I can’t forget how many times/ I’ve played this in my mind – (Correndo em círculos/ Eu não posso esquecer quantas vezes/ Eu pensei isso em minha mente)”

“Consequence, it’s our need in times like this/ Feeling free is our modern disease/ You’re a classic disaster with a knack for losing your exterior/ I’m so sick from staring at the mirror –(Consequências são necessárias em tempos como esses/ Sentir-se livre é a nossa doença moderna/Você é um desastre clássico, com jeito para perder o seu exterior/Eu estou tão cansado de me olhar no espelho)”

Mesmo com toda a originalidade do grupo, também é claro que a banda pegou um elemento aqui e outro ali de grupos que estavam escutando durante as gravações. Como diz o filósofo: nada se cria, tudo se copia; e a faixa “A Boy Brushed Red Living In Black And White” é prova disso.

A música é um dos grandes sucessos do Underoath e a segunda faixa de seu disco, sendo fortemente influenciada por “Your New Aesthetic”, um lado B dos veteranos do Jimmy Eat World. Seu riff inicial e suas batidas nos tambores são tomados pelo sexteto com uma maior velocidade e um teor caótico logo nos primeiros segundos de sua faixa.

“Can you feel your heart beat racing/ Can you taste the fear in her sweat? / We’ve done this wrong we’re too far gone/ These sheets tell of regret/ I admit that I’m just a fool for you/ I’m just a fool for you – (Você pode sentir seus batimentos acelerando? / Você pode provar o medo no suor dela? / Nós fizemos isso errado, estamos longe demais / Estes lençóis falam da tristeza /Eu admito isto, eu sou apenas um tolo para você/ Eu sou apenas um tolo para você)”

O discurso melancólico de Aaron logo dá espaço para a volta dos gritos de Spencer em uma letra que fala sobre o sentimento de culpa de uma pessoa após se envolver em um encontro sexual e se deparar com o pecado do adultério.

Nas palavras do compositor e guitarrista Timothy McTague:

É uma história fictícia/não fictícia de duas pessoas envolvidas em atividade sexual, sabendo que não é isso que deveriam estar fazendo na época. São basicamente dois cristãos ou duas pessoas em geral que têm um certo conjunto de moral que estabeleceram para si mesmas. E estão a ponto de quebrar essas e todas as coisas que passam pela sua cabeça e as decisões que você toma quando decide virar as costas para o que você estabeleceu para si mesmo e seguir em frente. À medida que a música avança, é como as repercussões dela também. Se você ler as letras, é como garoto, e então a consciência que está falando com ele. E é uma espécie de guerra em si mesmo para descobrir o que é certo e ele tem algumas repercussões que acabam muito mal. (A Boy Brushed Red… Living In Black And White by Underoath – Songfacts)

“Your lungs have failed and they’ve both stopped breathing/ My heart is dead its way past beating/ Something has gone terribly wrong/ I’m scared, you’re scared, we’re scared of this/ I never thought we’d make it out alive/ I never told you but it’s all in your goodbyes/ It’s all in your goodbyes – (Seus pulmões falharam e eles não respiram mais/ Meu coração morreu e não bate mais/ Algo deu terrivelmente errado/ Estou assustado, você está assustada, estamos assustados/ Eu nunca pensei que nós terminaríamos isso vivos/ Eu nunca te disse isso, mas está tudo nas suas despedidas/ Está tudo nas suas despedidas)”

Encarte oficial do cd de lançamento

“The Impact of Reason”, com seu riff de surf-hardcore, dá continuidade a uma bela trinca de faixas que chega até a canção mais comercial do disco: a viciante “Reiventing Your Exit”.

Sua lírica puxa para uma grande influência do pop punk, também contando com um refrão curto e chiclete:

“This is the way I would have done things/Up against the wall, up against the wall/You got me up against your wall/This is the way I would have done things/Up against the wall, up against the wall/You got me up against your wall – (Esta é a maneira que eu teria feito as coisas/ Contra a parede, contra a parede/ Você me colocou contra sua parede/ Esta é a maneira que eu teria feito as coisas/Contra a parede, contra a parede/ Você me colocou contra sua parede)”

Sua letra narra um confronto entre o alter ego e alguém que literalmente o colocou numa situação muito ruim, quase como uma narrativa de herói e vilão típica dos filmes, ainda mais com o clima criado pela sua melodia mais pop.

“We all want to be, want to be somebody/ Right now, we’re just looking for the exit – (Todos nós queremos ser, queremos ser alguém/ No momento, estamos apenas procurando a saída)”

Após uma faixa de transição, a épica “It’s Dangerous Business Walking Out Your Front Door” aparece com uma letra mais contida e triste, destacando bastante a linha de baixo de Grant Brandell.

“Time is running, is running on empty and the gas is running out/I’ve decided that tonight is the night/That I set love aside – (Tempo está correndo em vazio e o gás está correndo fora/ Eu decidi que esta noite é a noite/Que eu pus de lado o amo.”

Sua melodia vem crescendo mais e mais conforme a letra avança e revela mais detalhes de uma história de balada de assassinato que Aaron explica melhor:

“É uma espécie de história fictícia. E é uma espécie de história mórbida. Eu tinha 20 anos quando Spencer (Chamberlain, o vocalista) e eu estamos escrevendo essa música. Tivemos essa ideia sobre o que acontece quando você ama alguém, realmente o ama, o ama de verdade. Na Bíblia, diz que devemos amar nossas esposas como Cristo amou a igreja, o que é uma impossibilidade, porque não temos a capacidade de amar como Cristo ama, e é impossível”. (It’s Dangerous Business Walking Out Your Front Door by Underoath – Songfacts)

“Speed ahead this seems to be the place/ I’ve seen this once before/ Planned perfection sought in my dreams/ Hoping this would take you home – (Velocidade máxima. Este parece ser o lugar/ Eu vi isto aqui antes/Perfeição planejada que buscou em meus sonhos/ Esperando que isto a levaria pra casa)”

O personagem pode ter matado sua amada (acidentalmente ou não), uma batida de carro pode ter acontecido e talvez ela tenha ficado em coma… Enfim, as interpretações são diversas. Mas uma coisa é certa: “It’s Dangerous Business Walking Out Your Front Door” é a canção mais envolvente e tocante do Underoath e muito disso é creditado ao emocionante coro que faz parte da transição da música.

“Drowning in my sleep I’m drowning in my sleep/ Drowning in my sleep I’m drowning in my sleep – (Se afogando em meu sono Eu estou me afogando em meu sono/ Se afogando em meu sono Eu estou me afogando em meu sono)”

Uma curiosidade é que os membros da banda mentiram para os participantes do coro sobre o seu real significado, dizendo que era uma causa maior a Deus. O guitarrista Timothy McTague relembra: “Foi uma besteira, como ‘Tem esse significado maior’… isso não tinha nada a ver com nada. Essa foi minha primeira traição contra a igreja de Cristo”. (Underoath revisou ‘Eles estão apenas perseguindo a segurança’ e aqui está o que aprendemos – Blunt Magazine).

De qualquer forma, esse foi um dos grandes acertos deles, trazendo um elemento diferente que fecha a música com uma mistura caótica de gritos de Spencer e o vocal de Aaron retomando o refrão:

“My knuckles have turned white/ There’s no turning back tonight/ Kiss me one last time –(Meus punhos se tornaram brancos/ Não há volta essa noite/ Me beije uma última vez)”

Assim como o Jimmy Eat The World foi uma inspiração para uma das faixas anteriores, os membros do Underoath também admitem publicamente que Down, Set, Go é uma tentativa de fazer algo no estilo ‘Deja Entendu’, do grupo Brand New.

E é claro que a versão do sexteto seria ainda mais agressiva, ganhando outro belo refrão que junta diversos membros para cantar:

“This time I’ll be nervous/ Cause I can’t see your hands in front of me tonight/ Lets forget all pretense of what they thought we should beWhat liars we can be – (Esta vez eu ficarei nervoso/ Pois hoje à noite eu não posso ver suas mãos na minha frente/ Vamos esquecer toda a farsa que eles pensaram que seríamos/ Que mentirosos nós podemos ser)”

Se a transição da faixa anterior chegava a arrepiar todos os pelos do corpo, a passagem acústica de Aaron em Down, Set, Go é ainda mais bela, mostrando a clara influência do grupo citado anteriormente.

“Make a sound it’s safe for you/To choke in here alone (Faça algum som, é seguro para você/ Para se sufocar aqui sozinho)”

Caindo certamente numa solidão insuperável que culmina no abandono dos melancólicos gritos:

“Whatever I say goes (whatever I say goes)/ You’re not here with me/ You’re not here with me/ You’re not here with me (O que eu digo vai (o que eu digo vai!) / Você não está aqui comigo/ Você não está aqui comigo/ Você não está aqui comigo)”

Todo o clima melancólico e solitário ganha vida literal na raivosa “I Don’t Feel Very Receptive Today”, que representa a dificuldade de sair de uma crise depressiva.

“This door has been shut for days/ And it’s all too familiar/ Can’t I just crack a window –(Esta porta ficou fechada por dias/ E isso tudo é familiar demais/ Eu não posso apenas explodir a porta?)”

A música é uma das mais pesadas do disco e mostra uma inclinação pro metalcore, algo que a banda viria a seguir de fato em um futuro não tão distante.

“I haven’t talked in days/ and I’m really not too sure/ What I sound like anymore/ My vision has gone and my mouth is full of sores – (Eu não tenho falado há dias/ E eu também não sou realmente certo/ O que eu pareço ser mais/ Minha visão se foi e minha boca está cheia de dores)”

O álbum se aproxima do fim, mas o sexteto ainda guarda uma carta na manga: “I’m Content With Losing”. Sua letra conta a história de um fim de relacionamento que simplesmente explodiu após tanto ser postergado. O alter ego simplesmente não aguenta mais a outra pessoa e o que sobrou foi a satisfação de não estar mais perto da outra parte.

“Like I said/ Leave your baggage at the back door/ I’m leaving you the way I think it should be/ We’re always pulling into places that we can’t back out of/ Starting fights we can’t talk our way out of them (talk our way out of them) / Talk our way out of them/ How does it feel to be on the recieving end of this one? (of this one) – (Como eu disse/ Deixe sua bagagem na porta de trás/ Estou te deixando do jeito que acho que deve ser/ Nós estamos sempre indo a lugares dos quais não podemos sair/ Começando brigas das quais nós não conseguimos sair (não conseguimos sair)/ Não conseguimos sair/ Qual a sensação de estar no ponto final disto?)”

Seu refrão é um dos mais criativos de toda a lírica do álbum e novamente brinca com a utilização de várias vozes juntas e misturadas. Além disso, num momento final, o teclado entra em cena e deixa a parte rítmica ainda mais divertida de se ouvir.

“I’m half way there and it’s all on me/This is what I get for wanting more, for wanting more/This is the way it has to be/Dancing on all these changes/So I walk around with this rope in my hand (rope in my hand!) – (Estou na metade do caminho e está tudo em mim/Isso é o que eu consigo por querer demais/É assim que deve ser/Se virando em todas estas mudanças/Então eu vou por aí com esta corda em minha mão (corda em minha mão!))”

“I’m Content With Losing” poderia encerrar o disco com chave de ouro, mas ainda há “Some Will Seek Forgiveness Others Escape”, uma canção cristã (quase um louvor) cantada por Aaron Gillespie com a parceria de Aaron Marsh, líder da banda emo Copeland (bastante associada à cena cristã).

Dessa forma, com inspirações da cena emo/ hardcore, uma pegada agressiva com toques melódicos e letras complexas e um tanto quanto dramáticas, o Underoath criou um dos melhores discos dessa cena musical, o colocando num patamar de influenciador de toda uma geração de novas bandas que viria a surgir.