Atualizado em: outubro 22, 2025 às 9:58 am
Por: Arthur Coelho
Viva Belgrado é um dos nomes mais interessantes da música alternativa espanhola e tem uma carreira de aspecto surpreendente. A banda de Córdoba debutou em 2013 com um EP influenciado pelo post-hardcore e pelo screamo e atualmente segue a lançar músicas que abrem para um leque maior de influências.
Prova cabal desse novo apreço por outros estilos é o último álbum “Cancionero de los Cielos” (2024), que coloca os espanhóis em momentos de hardcore, rock alternativo e até mesmo post-rock com letras diferentes que falam de política e espiritualidade com toques poéticos, como diz tão bem na biografia deles no Spotify.
“Poeta del consumo, flor del capital/A los 30 todo me parece tan mal/Solo veo moscas en la puta capital/Jóvenes, modernos, anarcocapitalistas/Ahí va la cuestión/Ya no sé si soy capaz de volver a emocionar con una canción/¿Con ceros en la cuenta se duerme mejor?”
(Poeta do consumo, flor do capital/ Aos 30 anos tudo parece tão ruim para mim/ Eu só vejo moscas na porra da capital/Jovens, modernos, anarcocapitalistas, aqui está a pergunta/ Não sei se sou capaz de me mover novamente com uma música/ Você dorme melhor com zeros na conta?)
Desde os primeiros momentos do novo trabalho, o Viva Belgrado consegue deixar seus ouvintes com reflexões interessantes para pensar até mesmo depois do momento da música. Suas letras trazem os dilemas pós-modernos com maestria ao lado de uma sonoridade surpreendente.
“Vernissage”, que abre os trabalhos, expõe isso com uma espécie de instrumental melódico-crescente que é tomado pelo vocal meio rimado de Cándido Gálvez em seus questionamentos. Há uma pegada diferente que se encontra em algum lugar com as canções da banda La Dispute, que também tem raízes no screamo.
A sequência, “Chéjov y las Gaivotas”, também nutre tais referências e esse estilo de vocal rimado-poetizado que tão bem casa com a frenesi caótica do grupo ao captar as percepções de sua realidade de forma de forma similar ao que a literatura faz nos livros.
“El Cristo de los Faroles” é outra que brinca com isso em total astral hardcore com guitarras envolventes e partes que questionam a religião e a fé com o existencialismo de Albert Camus (em O mito de Sísifo) com toques do teclado.
“Cuando el Cristo me pregunta, yo respondo/Es una crisis de fe, solo una crisis de fe/Soy como Sísifo, pero en el Gólgota/Y ocho faroles me alumbran el rostro”
(Quando o Cristo me pergunta, eu respondo/É uma crise de fé, apenas uma crise de fé/Eu sou como Sísifo, mas no Gólgota/E oito lanternas brilham no meu rosto)
E aqui é bom salientar que tal estilo não é uma característica do grupo espanhol em si, mas um recurso utilizado em alguns momentos específicos. Em diferentes músicas do trabalho, o vocal passa a puxar para outras característica. Na triste canção “Nana de la Luna Pena” (com Sara Zozaya) e em “Ranchera de la Mina”, ele puxa para um lado mais dramático.
O que faz parte por essência da banda é o caráter introspectivo que dá diferentes possibilidades de sonoridades: um marco de um disco que soma as diferentes influências do grupo espanhol em seus mais de 10 anos e que talvez por isso possa ser considerado um dos melhores trabalhos do trio.
Os ouvintes usuais da banda vão reconhecer em “Gemini” ou na já citada “El Cristo (…)” o lado mais cru e direto do grupo e possivelmente conectar as faixas com algum lançamento anterior, mas também vão notar em “Elena Observando la Osa Mayor” um lado mais confessional e minimalista pouco abordado.
Isso revela duas coisas sobre o último trabalho: o Viva Belgrado não abandona suas origens, mas também não se deixa prender por rótulos ou padrões. “Cancionero de los Cielos” não segue um conceito definido em som, e mescla as diferentes facetas do grupo, ainda que sua reta siga faixas mais espaciais.
É impossível ouvir músicas como “Jupiter and Beyond the Infinite” (com Erik Urano) e a mística “Saturno Devorando a Su Hijo” e não notar essa atmosfera diferente, que também me recordou alguns momentos do Deafheaven em seu disco melódico ‘Infinite Granite’.
E que não deixam de também trazer um brilho nostálgico mais pop em “Un Tragalux”, que fecha os trabalhos, e um lado post-rock shoegaze em “Perfect Blue”.
“Para terminar déjame que pruebe una vez más/Busco una canción, la de cuando todo está mejor/Y no volver a pensar en el futuro nunca más/Masticando la pereza en el sofá/Viendo juntos ese anime una vez más/Contigo en el sofá”
(Por fim, deixe-me tentar mais uma vez/Quero uma música para quando tudo estiver melhor/E nunca mais ter que pensar no futuro/Aproveitando a preguiça no sofá/Assistindo aquele anime juntos mais uma vez/ Com você mais uma vez)
“Cancionero de los Cielos” foi gravado por Ángel Madueño (baixo), Álvaro Mérida (bateria) e Cándido Gálvez e produzido por Raúl Perez e Santi García.