Atualizado em: novembro 22, 2025 às 7:52 am

Por: Arthur Coelho

Alguma vez você já ouviu música brasileira emo com sintetizadores, samples e outros efeitos? Imagino que não. Eu, pelo menos, em minhas viagens pelas diversas camadas do emo, nunca tinha me deparado com algo assim — pelo menos até algumas horas atrás, quando ouvi pela primeira vez o álbum “Tarde”, do quarteto visitas póstumas.

Antes de lançar seu primeiro disco, a banda acumulava alguns singles e um EP – que, inclusive, apareceu aqui no Um Outro Lado Indica – com uma sonoridade centrada nas guitarrinhas do midwest emo, acompanhadas de letras melancólicas e nostálgicas.

O que antes remetia a nomes como American Football, Zero To Hero, Modern Baseball e outros, agora vai muito além, alcançando algo realmente inovador: uma fusão de elementos que evocam a cultura dos anos 2000 por meio de efeitos programados.

E um detalhe importante: tudo isso foi produzido de forma totalmente independente pelo quarteto de Porto Alegre, gravado em seus próprios quartos entre dezembro de 2024 e outubro deste ano, e lançado pelo selo Naif – o primeiro trabalho da banda a sair por um selo.

“Tarde” é como um caminho aberto, um espaço repleto de influências e ideias que te levam a lugares inesperados de maneiras igualmente imprevisíveis – algo que já acontecia no EP anterior, mas que agora ganha uma nova forma.

O álbum é mais selvagem, não no sentido agressivo, com riffs pesados, mas sim por ser mais rápido, intenso e até ruidoso. A abertura “Irreconciliar” chega a transmitir uma impressão punk. “Start Littler (mudanças que nunca fizemos)” segue a mesma linha logo em seguida.

Até porque, o trabalho também é uma expressão própria da filosofia DIY (Do It Yourself) – o faça você mesmo – que, no caso do visitas póstumas, se traduz em especificidades como efeitos digitais, quebras abruptas e experimentações diversas.

Isso sem contar as incontáveis referências, que vão da TV Cultura em uma faixa mega experimental (“Tv Cultura Type Beat”) ao anime Evangelion (“Cuidado, Shinji”), passando pelo desenho Billy e Mandy e pelo filme Stuart Little (“Ps2 ROMs ISO”).

Aliás, essa última é uma das melhores faixas de todo o compilado: uma chuva de combinações que soam como várias músicas dentro de uma mesma minutagem e que é capaz de unir post-hardcore com sintetizadores e espaços atmosféricos.

“Tarde” não é apenas diverso em sonoridade, mas também na forma das músicas. Não há qualquer padrão de duração – o que funciona muito bem. A lógica comercial pouco importa aqui: há faixas de um minuto e meio, de cinco, de três, e por aí vai.

Duas das mais curtas aparecem em sequência, unindo a nova estética às guitarrinhas do passado em “É como voltar pro passado” – que poderia muito bem dialogar com o som recente da própria banda – e na viajante “Hoje a Noite Foi Como um Sonho”.

O álbum e sua capa evocam uma simbologia nostálgica, que não se limita às referências, mas também se expressa na temática. Todas as faixas citadas carregam parte disso, mas é em “Recreio” que esse sentimento é mais canonizado, ao representar o desejo de retorno ao passado, a uma época ingênua e certamente mágica (por esse motivo).

E é com essa mesma abordagem que o quarteto gaúcho encerra o álbum entre a corajosa “Cuidado, Shinji” – uma das melhores do disco –, a agitada “Desencontros” e a desiludida “Billy & Mandy”, que conta com a participação especial do trio Quem é Você, Alice?, em uma faixa sobre relacionamentos turbulentos.

“Tarde” é tanto diferente quanto ousado, porque não tem medo de explorar combinações arriscadas e os caminhos inesperados da criatividade do quarteto Lucas Diesel (guitarra e vocal), Liz Athayde (bateria), Caetano Stella (guitarra) e Leandro Sodré (baixo) no primeiro álbum de suas vidas.