Atualizado em: novembro 24, 2024 às 9:47 pm

Por Guilherme Costa

Desde quando eu criei a página do Um Outro Lado da Música no Instagram, o meu contato com artistas brasileiros aumentou significativamente. No geral, sempre bandas novas com integrantes também (relativamente) novos. Mas como o Brasil é um país imenso, há também músicos veteranos que seguem fazendo música autoral, como o pessoal do Anvil FX (para citar um exemplo dum grupo que eu conheci por causa do Um Outro Lado). No Rio de Janeiro, cidade que eu tanto fui, um bom exemplo é o Estranhos Românticos.

Atualmente formada por Pedro Serra (bateria), Mauk Garcia (baixo), Luciano Cian (teclado), Victor Barros (vocal e guitarra) e JR Tostoi (guitarra), a banda de Indie Tropical lançou três discos de estúdio (“Estranhos Românticos”, “Só” e “Último Sol”) e chegou ao fim em 2021. Mas a amizade entre Pedro, Mauk e Luciano fizeram a banda seguir com a adição dos novos integrantes em 2022.

O baterista Pedro Serra, que também toca na banda Anacrônicos, é fotógrafo, produtor, cineasta, DJ e criador do movimento Rockarioca. Movimento este que se tornou tão grande e ganhou um festival, além de expor o trabalho de diversos músicos do Rio de Janeiro, ampliando a rede que a internet é capaz de criar. O Rockarioca, como eu comentei no convite para ser o DJ da semana, fortalece um ambiente que está longe do ideal mas que conta com pessoas competentes e apaixonadas. E o seu criador, Pedro Serra, é o personagem de novembro do 5 Perguntas.

Você é o criador do coletivo Rockarioca. Conte como surgiu a ideia, e como você enxerga que ele consegue impulsionar os artistas do movimento.

Há uns 5 anos eu estava percebendo que tinha vários amigos músicos, que como eu começaram nos anos 80 ou 90 e continuavam fazendo trabalhos novos e relevantes, e tb estava vendo que tinha muito artista jovem (e bom) de rock. Daí parou tudo na pandemia e em maio de 2020 fui chamado pra participar (com a minha banda Estranhos Românticos) do grupo Uma Banda por Dia, criado pela Madame Mim (na época, da banda Virgo). Era uma experiência coletiva em que cada dia todos publicavam uma banda escolhida em suas redes, até todos falarem de todos. Na mesma época, conheci pelas redes o Júlio Vieira da banda paulistana Complexo de Vira-Lata, que me chamou pra fazer parte de uma playlist no Spotify onde todos os artistas participantes deveriam ouvir a playlist todos os dias, assim impulsionando os números dos artistas.

Então em outubro de 2020 eu usei essas duas experiências e adicionei outras ideias pra fazer o Rockarioca. Juntei 25 artistas atuantes do Rio de Janeiro que eu achava excelentes numa playlist no Spotify e YouTube, montei páginas nas redes sociais e uma programação com uma seção a cada dia: 2ª (quando a playlist é renovada) é dia de Estreias, 3ª é dia do Meu Instrumento (onde um artista fala do seu instrumento e de como começou a tocá-lo), 4ª é dia de +Som (onde falamos de todos os artistas que nos mandam material – e é muita gente!), 5ª é dia de Tebetê (onde falamos de artistas, casas de shows, festivais, estúdios e festas antigos do RJ), 6ª é dia de Clipada (onde falamos de um clipe desses 25 artistas), sábado é dia de Na Capa (onde um artista fala sobre um álbum importantes do rock/pop do Rio de Janeiro – ou que tenha alguma relação com o RJ). Quando acabou a pandemia, também comecei a fazer um festival anual na Audio Rebel e posteriormente uma noite mensal (com 2 artistas) no La Esquina.

A partir desse movimento (eu chamo mais de movimento, porque é mais uma ação que um coletivo), surgiram vários coletivos diferentes, com muita camaradagem entre os artistas – e tendo participado de várias épocas musicais do Rio de Janeiro, eu acho que nunca presenciei um clima de tanta união entre artistas. Uma cena é muito mais forte que artistas individuais. Uma cena se faz não só de artistas, mas de casas de show, mídia, público – isso é muito importante. Com uma cena, os artistas ficam mais fortes.

O terceiro disco dos Estranhos Românticos, “Último Sol”, era para ser o último do grupo. Qual foi o ponto em que vocês decidiram seguir com a banda?

Na verdade o Estranhos Românticos implodiu quando começou a gravar o que seria o 2ª álbum, em 2019. Mas a gente tinha 19 músicas ótimas que tínhamos acumulado desde o 1º álbum em 2016 e seria um desperdício não gravá-las. Então combinamos de gravar separadamente, sem a gente se encontrar – somente com o produtor Seu Cris. E assim foi feito. Gravamos as 19 músicas, mas resolvemos lançá-las em 2 álbuns, já que ninguém ouviria um álbum duplo. Então chamamos vários convidados para participar, como ‘Nervoso’ André Paixão, Gilber T, Tostoi (que tinha produzido o 1º álbum), João Pedro Bonfá, Cony Pierkarz, Marcello Magdaleno, Latexxx e Dom Horacio e lançamos Só, com 10 músicas, em 2020 e Último Sol, com 9 músicas + 1 remix, em 2021. A reação do público foi muito boa, tocamos em várias rádios do mundo todo, saímos em algumas publicações internacionais, todo mundo falando bem e perguntando quando ia ter show. Mas a banda tinha acabado! Só que eu, o Mauk e o Luciano continuávamos amigos e bateu vontade de tocar de novo. A gente até pensou em voltar com outro nome, tipo Ex-tranhos, rs. Daí em 2022 resolvemos procurar um novo cantor/guitarrista pro Estranhos Românticos, afinal a gente era 3/4 da banda. Avisamos todo mundo, botamos anúncio no site Célula Pop, fizemos várias audições e escolhemos o alagoano Victor Barros, que encaixou muito bem. Um tempo depois fizemos um show com participação do Tostoi (que é meu amigo desde os anos 90) na guitarra e o que estava bom ficou ainda melhor. Aí não teve como ele não entrar pra banda.

Com a nova formação foram lançados três singles, que são mais pesados do que o ‘Indie Tropical’ tradicional dos Estranhos Românticos. Nesse peso, o quanto foi a contribuição do Tostoi e do Victor Barros, e o quanto vocês (os antigos integrantes) já pensavam neste direcionamento?

Esse peso tem toda influência deles. Acho legal isso. É claro que o som ia mudar com a entrada de gente nova na banda, afinal a gente soa como a gente é. Nada é muito pensado ou calculado nesse sentido. A gente se reúne pra compor e as músicas vão saindo sem um direcionamento para isso ou para aquilo, mas com um pouco das caras de todos os integrantes. Acho muito importante o artista não ficar parado no tempo, não fazer sempre a mesma música, não ficar sentado no pudim. Pra mim os grandes artistas são os que estão sempre buscando algo novo, mas sem perder a sua personalidade. E acho que estamos indo por aí.

É muito comum falar sobre as dificuldades do início de uma banda nova. Mas quais são os desafios de uma banda nova formada por veteranos, no que diz respeito a lançamentos de materiais inéditos, shows e etc?

Olha, você tocou num ponto interessante. A gente está num certo limbo, porque somos veteranos – menos o Victor, que é bem mais jovem que a gente – mas numa banda “nova” (que acabou de fazer 10 anos, hehehe). Eu sinto um certo preconceito em relação a isso, especialmente da mídia especializada. “Esses caras não vão desistir, não?” rs. Não, a gente acha que ainda tem muito a acrescentar. É engraçado, porque os desafios continuam a ser os mesmos, mas a gente não tem mais aquele pique de tocar em qualquer buraco com som ruim, sabe? Então as possibilidades também vão diminuindo. Por isso – e também porque às vezes temos que ficar em casa cuidando de filho, ou estamos atolados de trabalho (sim porque todo mundo tem seu trabalho paralelo pra pagar as contas, né?) – a gente acaba fazendo menos shows do que gostaria. Mas tamo aí mandando brasa (como dizia a Nação Zumbi em seu primeiro single depois da morte do Chico Science).

No início de novembro vocês completaram dez anos de formação. Conte um pouco como foi a celebração na Audio Rebel e em como você olha para esse período fazendo Rock autoral (conquistas, desafios…), tendo tocado na Argentina, a primeira vez em São Paulo, música sendo executada em web rádio mexicana…?

O show de celebração de 10 anos na Audio Rebel foi muito marcante pra gente, porque convidamos 5 artistas que não só participaram dos nossos discos, mas são grandes amigos (alguns desde os anos 80!) e são artistas que nos inspiram e achamos muito importantes pra cena. O ‘Nervoso’ André Paixão (que gravou “Me Beija” no 3º álbum) tocou com Acabou la Tequila, Autoramas, Matanza, Nervoso e os Calmantes, Beach Lizards, etc e eu conheço desde adolescente, antes da gente ter bandas, porque as nossas mães eram amigas. O Gilber T (que gravou “Tranquilo” no 2º álbum) eu conheci nos anos 90, quando as nossas bandas da época (a minha Cordel Elétrico e a dele Tornado) tocaram juntas no Garage. O Homobono (que fez a letra e gravou no single “Maverick 73”) é velho conhecido dos Djangos, também dos anos 90. O duo Latexxx (que remixou “Mergulho no Saara” no 3º álbum) conhecemos na década passada no sebo Baratos da Ribeiro. E a Katia Jorgensen foi a única que (ainda) não gravou com a gente, mas acabou de lançar seu excelente 1º álbum pelo selo Mondo Records, do Tostoi. E todos são do Rockarioca.

A sensação de fazer 10 anos com uma banda é inédita pra mim e muito interessante. Se fala muito que ter uma banda é entrar num poli-casamento, e acho que deve ser verdade. Você tem altos e baixos, maiores e menores afinidades, o importante é que todos tenham a mesma expectativa em relação à banda. Eu olho pra trás e tenho muito orgulho de tudo que fizemos. Quando lançamos o 1º disco em 2016 eu vi que as possibilidades de divulgação no Rio e no Brasil eram pequenas – conseguimos algumas coisas importantes aqui, como crítica do disco n’O Globo (algo impensável atualmente), matérias em alguns dos principais sites especializados (Hits Perdidos, Pop Fantasma, Popload, Célula Pop, Música Pavê, etc) e algumas rádios (especialmente webrádios) – então mirei pra fora do país. E apesar da gente cantar em português, a recepção foi muito boa – tocamos em diversas rádios (a maioria FMs) de EUA, México, Inglaterra, França, Argentina, Espanha e até na Grécia, África do Sul e Austrália; saímos em matéria com entrevista de 3/4 de página na revista inglesa Shindig; tocamos em Buenos Aires; tocamos em Ipatinga (MG); e finalmente conseguimos tocar em SP – e você tava lá! – num lugar tão legal quanto o Picles.

Dava até pra se aposentar (rs), mas o bichinho da música nova é incansável. A banda se encontra no estúdio e sempre saem ideias novas, só que a gente tinha que ensaiar pra algum show. Esse ano tentamos fazer as duas coisas paralelamente, três aliás: composição, gravação e show. Mas vimos que estava demorando muito pra gravar o nosso 4º álbum porque a gente estava fazendo muito show, então depois do show de 10 anos resolvemos parar tudo e focar só na gravação nos próximos meses. A ideia é lançar o álbum até o meio do ano que vem.