Atualizado em: setembro 2, 2025 às 9:01 am
Por Guilherme Costa
O músico e produtor Felipe Parra é um dos tantos exemplos dos talentos que o underground nos oferece. No caso dele, criado na periferia da zona leste paulistana, ainda há a questão de ser sobrevivente de um sistema que mói sonhos em troca da sobrevivência — algo presente nas suas letras: “meu norte principal sempre foi fazer uma música acessível e popular, para pessoas que vem da periferia como eu”.
Com dois discos de estúdio, um EP e outros vários singles em seu currículo, Parra utiliza dos fragmentos das suas influências musicais para criar o seu próprio caminho, ao que ele comenta que o “fazer artístico de cada um passa por isso, desse juntar esse monte de referências, embaralhar e criar o seu próprio universo”. Ele também tem trabalhos por encomendas, criando trilhas e músicas. O seu trabalho mais recente, “Conversas Imaginárias”, portanto, é um grande passo na construção da sua carreira solo, ampliando as camadas sonoras do seu Hip Hop; no álbum, há jazz, soul music, R&B e MPB.
Para além das resenhas e notícias dos seus trabalhos, Felipe Parra esteve presente — de forma indireta — nos Melhores do Ano do site com o disco “Colmeia”, da multiartista Mel Duarte, do qual o músico foi produtor. Hoje, ele está de forma direta, sendo o convidado do Um Outro Lado Entrevista.

Imagem por Tamara dos Santos
O seu disco de estreia, ”Estrela”, é bem voltado para a Soul Music; e numa entrevista para a Cultura, você comentou que um disco é como uma fotografia. Qual era o seu momento, em relação ao que você queria produzir e criar para a sua carreira solo quando você compôs este disco?
Eu não costumo pensar na minha carreira enquanto escrevo, pra mim, uma coisa é consequência da outra. Então, o pensamento que eu tenho na hora de fazer música tem muito mais a ver com uma vontade genuína do que um encaminhamento profissional. Dito isso, eu sempre gostei muito de dois universos da música popular: a tal da soul music – Jorge ben, Tim maia, Cassiano – e de rap. No momento que escrevi as músicas de “Estrela” eu estava nessa fase mais voltada para esse tipo de som, daí foi um passo natural ter esse repertório. Me sinto bem confortável transitando entre esses estilos, meu norte principal sempre foi fazer uma música acessível e popular, para pessoas que vem da periferia como eu.
Houve uma mudança de sonoridade e estética do “Estrela” para o EP “Janela Laranja”. Essa mudança causou algum desafio no seu estilo do canto voltado para o Hip Hop?
“Janela Laranja” foi produzido pelo Patrício Sid, produtor do Yago Opróprio, Jean Tassy e outros. A gente teve essa conexão genuína e foi bem legal trabalhar e repensar certas coisas. Um dos pontos que ele trouxe foi justamente essa direção vocal de buscar melodias mais graves dentro da minha voz. Rimar eu meio que rimo em só uma canção, se não me engano. Mas gosto muito de pegar essa divisão rítmica do hip-hop e colocar melodia em cima. Acho muito interessante. E sim, foi bem desafiador. É um processo muitas vezes doloroso a gente encontrar jeitos novos de posicionar a nossa voz dentro das canções. De um jeito que seja diferente mas que ainda soe familiar pra mim.
“Conversas Imaginárias” é um título interessante, porque você explicou que é sobre conversas consigo mesmo (reflexões e etc). Mas também podemos pensar que é sobre projetar algo no outro. Nesses cenários e texturas presentes no seu segundo disco, houve letras que você olhou para fora para que ela fosse concluída?
Com certeza. São reflexões que são minhas, mas gosto de pensar que também pertencem a todos nós. Um dos maiores privilégios que posso pensar pra minha carreira é o de cantar e ser ouvido. De ter uma quantidade bem significativa de pessoas que gostam do que eu escrevo e do que eu digo. Então a última coisa que eu busco é só falar só pra dentro. Acredito muito nessa percepção que a música não “pertence” aos músicos e que todo mundo é um entendedor musical porque a chave aqui é a percepção. Cada um vai ler o que eu escrevo a partir da sua perspectiva e isso me importa demais. Então “Conversas Imaginárias” definitivamente tem esse eco de fora pra dentro e de dentro pra fora.
Você citou o cantor Cassiano como uma das influências para uma das músicas do seu novo álbum. E é interessante, porque uma influência não significa obrigatoriamente emular uma sonoridade — pode ser relacionada a estética, a um gatilho que desencadeou uma ideia e etc. Como você vê essas perspectivas de diversas influências que afetam a sua arte?
Eu sempre tive cuidado ao citar o Cassiano porque ele é incomparável. Mas concordo com sua visão, ele é uma referência pra mim não necessariamente no emular de uma sonoridade. Acho que a principal influência que ele exerce sobre o meu trabalho é de tentar ser complexo no simples. De criar letras e melodias que você ouve pela primeira vez e parece que aquilo já existia antes. Dessa familiaridade da música que toca na rádio AM da cozinha da tua casa. Tenho muita dificuldade em citar artistas que influenciam diretamente minhas músicas, mas consigo enxergar diversas camadas de influências com aquilo que eu ouço, trabalho e interajo. Acho que o fazer artístico de cada um passa por isso, desse juntar esse monte de referências, embaralhar e criar o seu próprio universo.
Recentemente você compartilhou no stories do seu Instagram que as letras das suas músicas também vem de fragmentos/ textos que não tem (inicialmente) uma função específica; e você foi o produtor do disco da Mel Duarte, “Colmeia”, no qual ela musicalizou as poesias dela. Você já olha para essas duas linguagens (poesia e música) como algo separado e que podem se tornar aliadas ou como algo único: a letra já vem com o intuito de se tornar música?
A poesia sempre pareceu algo distante pra mim, algo que pertencia a uma elite que eu não fazia parte. Quando eu entendi que “Jesus Chorou”, dos Racionais, também é uma poesia, minha mente deu uma bela expandida. Tenho muita sorte em trabalhar com pessoas ligadas diretamente à cena da poesia como a Mel Duarte e a Luz Ribeiro, que já são poetas consagradas e confiaram no meu trabalho como produtor para ajudar a transformar poemas em música. Essas duas linguagens se misturam muito na minha cabeça. Não sei dizer exatamente onde uma termina e outra começa. Eu tenho gostado de me direcionar menos na hora de escrever, sem pensar necessariamente na função ou destino daquelas palavras. Para assim, dessa forma, encontrar caminhos mais espontâneos dentro de mim. Escrever meio sem rumo, confiando na intuição para depois editar o que for preciso e chegar em algum lugar.
“Não Me Importo Mais” é uma música que conta com a participação da Edyelle Brandão e aborda o término de um relacionamento na perspectiva do casal (tendo os dois lados). Essa letra foi composta em conjunto com a Edyelle ou foram duas composições “separadas” que depois se juntaram?
A Edyelle é uma artista incrível, que sou muito fã. Nós trabalhamos juntos já há quase 5 anos e ela é uma voz que faz toda a diferença no meu trabalho, sempre presente nos meus shows e nas minhas músicas. Essa música em específico eu que escrevi. Ela não necessariamente tinha essa perspectiva de dois lados, mas quando convidei a Edyelle pra cantar, achei interessante justamente essa nova camada que a voz dela trouxe. A de pensar no outro lado da mesma história.
“Racionalmente” é uma das faixas que eu mais gostei do “Conversas Imaginárias”, porque ela tem muitas coisas para perceber, além da letra: violão, trompete, percussão, baixo e diversas camadas de beats. Do ponto de vista do produtor, como você trabalha para encaixar tantos elementos de forma coesa, sem que haja um “excesso de informações”?
Essa foi umas das faixas do álbum que eu trabalhei também como produtor. A música é minha e do Uterço – que é uma grande referência musical pra mim – e teve a participação do meu grande amigo e produtor Pedro Vituri tocando trompete. Esse formato bem contemporâneo de produzir música sozinho no estúdio, prática que eu faço muito, tem um quê de solidão e bastante de loucura, pra ser sincero. Porque é diferente de quando você está numa sessão em conjunto com vários músicos, onde há mais troca. Uma das formas que eu gosto de fazer pra trabalhar isso é pensar em diversos elementos e texturas que nem sempre são protagonistas no arranjo mas ajudam a somar com o todo e contar uma história. Fiz bastante isso com essa faixa, de ir criando várias camadas que se sobrepõem para criar uma sensação. Eu acho que a forma disso ficar coeso é justamente ser capaz de equilibrar os protagonismos: certas camadas de instrumento e texturas só estão ali para somar e criar um sentimento, não para aparecer e serem destaque. Uma outra coisa que gosto muito de fazer também é de criar um arranjo, linha, melodia com instrumento que só vai aparecer uma vez na canção. Como algo muito especial que não se repete.
Recentemente você e a Mel Duarte deram uma oficina de Produção Musical no Sesc Consolação. Pode me contar como que foi, no que diz respeito ao interesse do público: houveram muitas pessoas com ideias interessantes, mais cruas, outras já tudo muito definido e até mesmo pessoas que foram sem ideia alguma e aproveitou o espaço para entender os conceitos de produção musical e composição?
É meio clichê, mas eu gosto muito de dar aulas porque eu sinto que aprendo um monte. A oficina que eu fiz junto com a Mel no Sesc Consolação teve um dia só sobre escrita, que ficou com ela e o outro dia sobre produção musical, onde fizemos juntos. Foi muito legal a troca com os participantes que estavam muito interessados e produziram coisas muito legais. Acho bem importante essa percepção que rolou que dá pra sua ideia se transformar numa música, um universo que às vezes parece algo tão distante e inacessível para muitos.
O Um Outro Lado da Música tem um quadro que se chama “Um Outro Lado Indica”, agora sob o comando do Arthur. E eu quero saber de você, qual artista/ banda você indica para mim e para quem está lendo a entrevista!
Poxa, vou indicar artistas que eu admiro e que trabalhei produzindo nos últimos meses: Luz Ribeiro, Mel Duarte, Georgia, Mari Meneghello, Midria, Anaohan, Preta Ary e Edyelle Brandão.
https://www.instagram.com/luzribeiro/
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