Atualizado em: março 26, 2025 às 9:41 am
Por Arthur Coelho
O Avenged Sevenfold é uma banda que dispensa apresentações. O grupo californiano é considerado um dos melhores de seu meio musical e saiu do underground para alcançar o patamar de ser uma das bandas mais famosas do Metal e do Hard Rock, lotando festivais e estádios em todos os locais do mundo, assim como aconteceu no Rock In Rio 2024 e como vai acontecer em Outubro de 2025 nos shows em Curitiba e São Paulo.
Sua discografia recheada de lançamentos e grandes sucessos comerciais é tão vasta que até faz com que certos trabalhos incríveis se tornem esquecidos pelos fãs e pela própria banda. E esse é exatamente o caso de “Waking The Fallen” (2003), o mais subestimado trabalho do A7X.
Àquela época, o quinteto era composto pelo saudoso The Rev (bateria e backing vocal), falecido em 2009, um dos idealizadores da banda, na companhia de Synyster Gates (guitarra solo e backing vocal), Mr Shadows (vocal principal), Zacky Vengeance (guitarra rítmica e backing vocal) e do estreante baixista Johnny Christ (também backing vocal), que permanece no grupo até os dias atuais, sempre aparecendo com um cabelo diferente.
A formação mais marcante do Avenged logo viria a receber a ajuda de Andrew Murdock e Fred Archambault , respectivamente nas funções de produtor e co-produtor, na criação do disco Waking The Fallen, que sairia oficialmente no dia 26 de agosto de 2003, há mais de 20 anos atrás.
Se compararmos com os sons mais populares ou mais recentes da banda estadunidense, podemos perceber o quão diferente o disco é para a discografia do quinteto, soando de forma mais crua, com muitos vocais gritados (screams), riffs rápidos, linhas caóticas de bateria com o pedal duplo e outros elementos do Metalcore que surgiram com o debute de “Sounding the Seventh Trumpet” (2001).
Alguns desses elementos, principalmente nos vocais, apareceriam pela última vez na trajetória dos músicos e outros deles ganharam ainda mais corpo em “City Of Evil” (2005), responsável por levar o grupo ao topo do mainstream.
Por esses e outros motivos que “Waking The Fallen” pode ser considerado como um dos lançamentos mais importantes da história do grupo, contando com um som que envelheceu extremamente bem e que já tratava de temas existencialistas, relação com a morte, transtornos mentais e sentimentos profundos: assim como o Avenged dos tempos atuais continua fazendo.

Capa oficial do disco
Se não fosse por uma faixa título colocada no começo do disco, “Unholy Confessions” seria considerada uma das melhores aberturas de todos os tempos.
“Nothing tears the being more than deceptio (Nada fere mais o ser que a decepção)”
A música começa com um riff épico que é acompanhado por uma bateria pulsante, logo revelando uma letra que divaga sobre a dualidade entre a autoconfiança e a fragilidade sentimental humana. Invocada de forma genial através da lírica da faixa, que carrega um lado raivoso com vocais gritados (“Nothing hurts my world; Just affects the ones around me/ Nada machuca meu mundo; Apenas afeta os que estão ao meu redor”) que apenas se cessa ao chegar à melodia de seu refrão: “I wish I could be the one/ The one who won’t care at all (Eu queria poder ser aquele/ aquele que não se importa nem um pouco”).
Logo em seguida, “Chapter Four” abandona qualquer sinal de vulnerabilidade para evocar a história bíblica dos irmãos Caim e Abel, que curiosamente se encontra no capítulo número quatro do livro de Gênesis.
“I’ve come here to kill you/ Won’t leave until you’ve died/ Murder born of vengeance/ I closed my brother’s eyes tonight (Eu vim aqui para matar você/ Eu não vou sair até que você esteja morto/ Assassinato nascido da vingança/ Essa noite eu fechei os olhos do meu irmão)”
“Remissions” é outra grande faixa presente no disco de 2003, se desenvolvendo em diversas camadas de contestação, euforia e raiva, criando a sensação de um alter-ego que está enlouquecendo pela falta de respostas sobre sua existência. A abertura de bateria no começo da música também não pode deixar de ser citada, assim como os profundos gritos de Mr Shadows: “Human lives to me seem so unreal/ can’t see through the fog (Nothing past a grey wall) see past the stereotype/ Belief, structure built up in you/ I’ll tear you down and the one who created you (vidas humanas parecem ser tão irreais para mim, não conseguem ver pela neblina (Nada além de uma parede cinza) veja além do estereótipo/ Crença, estrutura construída em você/ Eu vou derrubar você e aquele que te criou)”. Um estranho riff que lembrar uma sirene é evocado com contestações morais que deixariam Kant de cabelo em pé: “If we didn’t have hope how would we behave?/ Would they still feel remorse If they slaughtered innocent beings?/ Or is hope the only thing that keeps you sane?/ (Se não tivéssemos esperança, como nos comportaríamos?/ Se eles matassem seres inocentes, eles ainda sentiriam remorso?/ Ou a esperança é a única coisa que mantém você são?)”
A euforia de nosso personagem dá um respiro com o momento acústico e de vocal limpo: “A good friend once told me: you are memory/ Without them we equal nothing/ Um bom amigo uma vez me disse: você é memória, sem elas nós não somos nada)”, até ser tomado por loucas viradas de bateria e riffs cada vez densos que o consomem o personagem em um pesadelo desesperador.
“Their echoes are reaching my ears/ Nights coming fast, suns going down/ But keep away from me, keep away from me! (os ecos deles estão chegando aos meus ouvidos/ As noites chegam rápido, o sol se põe/ Mas fique longe de mim, fique longe de mim!)”
E é apenas com o solo mais agudo de Synyster Gates que ele encontra uma resposta filosófica (“don’t know the answers but neither do you/Eu não sei as respostas, mas você também não”).

Capa alternativa do disco
Se há pouco veio um conto de assassinato bíblico, então significado que o Avenged alternou suas leituras, um terror espiritual surge na faixa seguinte:
“Tormented young with no souls, haunting me/ Pain in their lives, all they know is misery (garotos atormentados sem alma me assombram/ Dor na vida deles, eles conhecem a miséria”).
“Eternal Rest” mostra o que mais há de metalcore na banda estadunidense, puxando riffs estranhos e complexos numa velocidade alucinante e que em algum momento passam a ser variado com momentos mais groovados, no estilo da banda Pantera. É também uma faixa que dialoga com uma morbidez profunda: “Hear the haunting words (They’ll find you alone)/ lost children with no heart are crying and you’re the lost mother they’re calling/ Go now, run and hide (seek more than vengeance)/ I hear them crying at night (your pain is their satisfaction) (Ouça as palavras assustadoras (Eles vão te encontrar sozinho) /Crianças perdidas sem coração estão chorando e você é a mãe perdida que eles chamam/ Agora vá, corra e se esconda (busque mais que vingança)/ Eu escuto eles chorando à noite (sua dor é a satisfação deles)”.
Outra história aterrorizante é contada por meio dos sinistros riffs de “Radiant Eclipse”, onde Mr Shadows assume a visão de um homem morto a tiro por alguém que tinha sua confiança. Sua letra registra uma espécie de revolta com um futuro roubado, assim como o ressentimento com a família que ele nunca mais poderá ver “(Without one goodbye/ I watch my mother shed tears/ Hope will fall tonight with broken wings/ I’ve been pulled out to watch from my eternal sleep (Sem uma despedida/ eu vejo minha mãe derramar lágrimas/ A esperança vai cair hoje à noite com asas quebradas)”.
Se esse personagem alguma vez já sentiu vontade de voltar ao passado, ele provavelmente vai se identificar com “Second Heartbeat”, uma das grandes obras primas do Avenged Sevenfold. A faixa é um verdadeiro hino do metalcore, uma das melhores músicas já produzidas em todo o gênero, contando com uma duração de sete minutos que não enjoa o ouvinte em nenhum momento. Também falando sobre o abandono da infância e os sentimentos de desespero e melancolia ao perceber que o relógio da vida nunca para e muito menos pode ter seus ponteiros atrasados.
“Left the childhood, left the memories, left the good times in the past/ Moving on your time has run out/ Wishing the clock would stand still, the world can wait (Deixe a infância, deixe as memórias, deixe os bons tempos no passado/ sZeguindo em frente, o seu tempo acabou/Desejando que o relógio pudesse ficar parado, o mundo pode esperar)”.
Sabemos que isso não é possível, o que não significa que esse desejo vai sumir de uma hora para outra: “Nothing can take away the time and the memories we had/ Come back! to the days when we were young/ Come back! to the days when nothing mattered (Nada pode tirar o tempo e as memórias que nós tivemos/ Volte! Aos dias em que nós éramos jovens/ Volte! Aos dias em que nada importava)”. O grupo ainda se supera tecnicamente com a emenda de coros vocais que acompanham os gritos do vocalista, riffs diferentes e momentos absurdos de The Rev dando ênfase em linhas com o sino, viradas criativas e o uso de rudimentos na caixa para criar ainda mais tensão: “As time passes by, regrets for the rest of my life/ The ones who I confide were gone in the black of the night (Com o passar do tempo, arrependimentos para o resto da minha vida, / Os únicos que eu confiei se foram no escuro da noite)”.

Encarte do CD
E se você acha que a duração de “Second Heartbeat” é grande, saiba que “I Won’t See You Tonight” chega a ser dividida em duas partes complementares!
A primeira delas é uma canção triste e tocante, tomada pela mistura de solos emocionantes, piano e coros sentimentais que representam uma despedida de alguém que você ainda ama: “No more breath inside; Essence left my heart tonight (Nenhum respiro por dentro; A essência deixou meu coração hoje à noite)”. Enquanto sua continuação é um som pesado que descarrega gritos e desejos suicidas contra uma perda raivosa: “Look at my face you pierce with a blank stare/ No dream could prepare a heart for a lifeless friend (Olhe para o meu rosto, você perfura com um olhar vazio/ Nenhum sonho poderia preparar um coração para um amigo sem vida)”.
Alguns fãs e portais de notícia dizem que as músicas foram baseadas nas tentativas de suicídio de Justin Sane, o baixista que gravou o disco anterior: “Sorrow, sank deep inside my blood/ All the ones around me I cared for/vAnd most of all, I loved/ But I can’t see myself that way/ Please don’t forget me/ Or cry while I’m away (Tristeza, afundado dentro do meu sangue/ Todos aqueles ao meu redor eu me importava/ E principalmente todos aqueles que eu amei/ Mas eu não posso me ver dessa forma/ Por favor, não se esqueça de mim ou chore enquanto eu estiver longe)”.

Justin Sane, ex baixista da banda e fundador do Anti-Flag
“Clairvoyant Disease” não deixa as coisas mais leves e ainda dá continuidade à lírica sobre saúde mental e a luta para se manter sã: “There’s nowhere to run and hide/ When you’re living to die/ Stuck alone inside your head/ Like a man plagued with disease, I try to fight/ Through my pores it seems to seep; When I’ll bleed forever! (Não há lugar para correr e se esconder/ Quando você está vivendo para morrer; Preso sozinho dentro da sua cabeça/ Como um homem atormentado pela doença, eu tenho que lutar/ Pelos meus poros parece vazar; Quando eu sangrarei para sempre!)”
E para finalizar, “And All The Things Will End” surge reafirmando o final do disco com uma letra que casaria perfeitamente com o título anterior. Suas líricas confusas são acompanhadas pelos caóticos solos (que duram minutos) do sempre consistente Synyster Gates.
“Swallowed the lies, can’t blame you for, thinking with your heart (Engolido pelas mentiras, não posso te culpar por pensar com o coração)”.
Também deixando uma mensagem de esperança que o grupo viria a reforçar de modo similar no hit “Size the Day”: aproveite seu tempo em vida e não se prenda ao passado. Ou nas palavras de Mr Shadows:
“Living goes by fast, catch your breathand it will pass you by/ And it won’t last, to sulk with the memories you hold (A vida passa depressa, segura seu fôlego e ela vai passar por você/ E não será a última a ficar mau-humorada com as memórias que você guarda)”.